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A alfabetização é uma preocupação constante para pessoas cuidadoras de crianças típicas ou atípicas. Essa etapa do aprendizado costuma deixar as famílias mais atentas e irem em busca de um processo de desenvolvimento eficaz.
Afinal de contas, a escola é uma realidade que se faz presente desde a primeira infância da maioria das pessoas, e isso inclui todo o processo de alfabetização, que começa a ocorrer de forma efetiva no início do ensino fundamental.
Mas para pessoas cuidadoras de crianças autistas o processo de alfabetização acaba requerendo um pouco mais de cuidado, acompanhamento e atenção, pois algumas pessoas autistas precisam de uma educação inclusiva, com todo o processo de alfabetização adaptado de acordo com as necessidades individuais.
Nesse texto, conversamos com a neuropediatra Dr. Juliana Arita, mestranda e doutoranda em neurologia e neurocirurgia pela USP e especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria, para falar sobre o processo de alfabetização e aprendizagem de uma criança autista.
Como uma criança com autismo aprende?
O processo de aprendizagem é singular para qualquer aluno, cada um aprende e absorve a informação em determinado momento, despertando para o aprendizado de forma natural.
A ciência afirma que toda pessoa consegue aprender, mas quando falamos de alunos atípicos, seja ele com autismo, TDAH, dislexia e outros transtornos de desenvolvimento, precisamos reforçar a importância de um material adaptado, para que todos absorvam o conhecimento transmitido durante a aula.
“No TEA, se não tiver ali uma comorbidade de aprendizagem, como um TDAH, às vezes essa dificuldade escolar pode aparecer mais ali na fase da alfabetização, ou na fase em que começa a ter que entrar uma interpretação de texto”, explica a Dra. Juliana, “mas se tiver uma comorbidade, de um TDAH, por exemplo, ela já pode demonstrar uma dificuldade global, ali mais precoce, aí não vai ser no domínio da escrita e da leitura, pode ser na matemática e outras as atividades também”, complementa.
O processo de alfabetização e aprendizagem pode ser diferente, mas a informação adaptada e acessível torna o processo linear, onde todos conquistam com sucesso a jornada de conhecimento.
Por isso, a educação inclusiva para pessoas no espectro pode utilizar alguns recursos como:
- Suportes visuais – quadros, desenhos, fotografias, imagens, etc;
- Plano de Educação Individualizado (PEI) – documento elaborado pela própria escola com instruções planejadas para um aluno com deficiência;
- Brinquedos educativos e reguladores que ajudam no aprendizado de forma lúdica e funcional;
- Uso de Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) – um conjunto de intervenções que visa tornar mais efetiva a comunicação de um indivíduo. Para esse fim são utilizados sistemas de comunicação que não são essencialmente verbais vocais (como a fala), e que podem ou não ter algum tipo de recurso como auxílio.
São diversas as intervenções que podem ser utilizadas pela rede de ensino, por isso é muito importante contar com uma equipe multidisciplinar que entenda o perfil específico e as singularidades da pessoa com TEA, para que assim a alfabetização ocorra da melhor forma possível.
Quais são as dificuldades na alfabetização?
As crianças autistas podem se deparar com algumas dificuldades de aprendizagem e alfabetização devido às características específicas do TEA, como, por exemplo:
- Comunicação e interação social: Dificuldades na compreensão e expressão verbal e não verbal, dificuldade em seguir instruções e interpretar intenções.
- Habilidades motoras finas: Dificuldades em segurar lápis corretamente, escrever ou traçar letras.
- Sensibilidade sensorial: Hipersensibilidade ou hipossensibilidade a estímulos sensoriais, dificultando a concentração.
- Dificuldades de processamento: Necessidade de mais tempo para assimilar informações e responder a estímulos.
- Interesses e motivação restritos: Dificuldade em se engajar em atividades que não estejam alinhadas aos seus interesses específicos.
- Flexibilidade cognitiva: Dificuldade em lidar com mudanças ou transições, exigindo uma abordagem mais estruturada e personalizada.
Dra. Juliana explica: “vai chegando ali na idade da pré alfabetização, ou de ou mesmo na alfabetização, às vezes aparecem algumas dificuldades, porque a criança ela requer ali algum tempo de envolvimento numa atividade para aprender, pela criança às vezes ela ou por não estar interessada ou por ter aí uma comorbidade, como o TDAH”.
A neuropediatra ainda reforça que às vezes há falta de engajamento na atividade de aprendizado, como uma roda de leitura, de pintura ou até mesmo de brincadeira, mas isso acontece por conta da dificuldade da interação social.
Ela ainda exemplifica um caso em que a criança participa e demonstra aprender e participar do processo de alfabetização, “mas aí chega um momento ali de interpretação, de escrever um texto, de interpretar uma história, às vezes pode começar a ficar mais evidente uma dificuldade”, explica.
É importante lembrar que cada criança autista é única, e essas dificuldades podem variar de acordo com as necessidades individuais. Uma abordagem educacional adaptada e personalizada é fundamental para promover uma alfabetização bem-sucedida.
Além disso, nem sempre a criança vai demonstrar sinais de dificuldades de aprendizagem logo no início da escola.
A doutora pede para que os pais fiquem atentos até mesmo se a criança demonstrar um aprendizado mais acelerado, que pode representar um TDAH com hiperfoco:
“Às vezes as crianças começam ali mostrando um hiper foco nas letras, nos números, nas formas, nos videozinhos em inglês. Então ali para os pais ali no primeiro momento é um benefício, ‘aquela criança é muito inteligente, mesmo ainda não falando muito, entende muito inglês’, mas precisam estar em alerta”, conclui.
Como ajudar na alfabetização em casa?
Sabemos que o processo de alfabetização ocorre principalmente no ambiente escolar, porém existem maneiras de potencializar o momento de aprendizagem, e isso pode ser feito em casa, com ações que fazem toda a diferença.
Por exemplo, já falamos aqui no blog que existem aplicativos que auxiliam na aprendizagem da pessoa autista, eles podem ser utilizados para que ela aprenda novas palavras, reconheça números e letras e reconheça expressões faciais.
Além disso, o uso dos aplicativos pode ser uma base para montar a rotina, pois algumas pessoas autistas têm muito apego pela previsibilidade que a rotina oferece.
Ah, e a rotina é ferramenta primordial para o processo de aprendizagem! Pois reservar um horário para a criança rever conceitos, fazer lições de casa e se dedicar a outras tarefas da escola reforça todo o processo que ela aprendeu no ambiente escolar. Por isso, montar uma rotina com sua criança, vai fazer toda a diferença.
Outra é dica é preparar o ambiente de estudos:
- Escolha um lugar que a pessoa fique mais confortável e relaxada;
- Evite um local com muito barulho, pois provoca possíveis distrações;
- Ofereça a opção da pessoa utilizar um fone de ouvido e ouvir playlists com músicas de foco total, como o lo-fi, por exemplo;
- Antes de iniciar as tarefas, estimule a criatividade: conte histórias do seu dia, pergunte como foi o dia da criança e estimule ainda mais a proximidade com essa rotina de aprendizagem.
Para esse processo é fundamental ter paciência. Observe se o estilo de aprendizagem está funcionando, se a informação acontece de forma direta e assertiva e quais são as dificuldades.
Além disso, respeitar e entender o nível de suporte da pessoa autista é primordial. Muitas vezes o encontro em sala de aula pode não favorecer quem tem dificuldade de socializar, por isso, converse com a equipe que acompanha a criança e quais ações podem ser colocadas em prática.
A alfabetização para o autista é garantida por lei!
É sempre bom lembrar que toda pessoa no espectro autista tem direito a ir para a escola. Esse é um direito garantido pela Lei Berenice Piana, de 2012, que criou a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA.
A lei institui os direitos dos autistas e suas famílias em diversas esferas sociais. Além das pessoas com o transtorno de espectro autista terem direito de frequentarem as escolas, a lei garante também esses direitos:
- A obtenção de diagnóstico precoce;
- Tratamento multidisciplinar;
- Acompanhante de professor especializado em educação inclusiva;
- Atendimento Educacional Especializado (AEE) em Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) em contraturno escolar.
Por isso, se uma escola não aceitar a matrícula da criança e, em caso de escolas particulares, cobrar um valor exorbitante e diferente de outra criança típica, fique atento: você tem direito de se matricular na escola e não precisa pagar um preço superior a isso. Está dentro da lei!
Entretanto, entenda a realidade de sua família e se aquele ambiente escolar irá colaborar para uma alfabetização e aprendizagem saudável e efetiva.
Outra oportunidade de acompanhar o processo de alfabetização, é a família e equipe profissional se dedicarem na criação de um relatório descritivo para o corpo docente.
O relatório descritivo tem como objetivo contar mais sobre aquela criança: como ela é, qual seu nível de necessidade de suporte, o que ela gosta, o que não gosta e também alguns comportamentos desafiadores que costuma ter e qual a melhor forma de abordar a situação.
Em nosso site temos um modelo de relatório descritivo, e você pode baixar no link abaixo:
Baixe nosso modelo de relatório descritivo
Projeto de Lei para educação inclusiva
O Projeto de Lei 3035/20 existe para tornar acessível à presença do professor especializado em educação inclusiva para alunos neurodivergentes, dessa forma existe o acompanhamento para cada aluno, além de atender cada particular necessidade.
Entre os objetivos da política estão:
- Oferecer oportunidades educacionais adequadas às necessidades dos alunos;
- Definir a atuação interdisciplinar como ferramenta para o trabalho dos profissionais envolvidos;
- Estabelecer padrão mínimo para formação acadêmica e continuada de profissionais e para a constituição de equipes multidisciplinares.
Além disso, de acordo com a Agência Câmara de Notícias, o Projeto de Lei prevê que as escolas da educação básica deverão promover a adaptação do ambiente, levando em consideração, além do déficit de mobilidade, a realidade neurossensorial e o comportamento do estudante, sem custos adicionais para pais ou responsáveis.
Quer saber mais sobre os direitos das crianças autistas? Em nosso blog temos um conteúdo dedicado às Leis que beneficiam pessoas no espectro autista. Acesse: