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Em janeiro de 2025, finalmente a CID-11 entrará em vigor no Brasil. Isso significa que mesmo o documento já tendo sido publicado anteriormente pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2022, somente agora ele passará a valer oficialmente em território nacional.
Essa atualização é um marco bastante importante e significativo para os diagnósticos e classificações de transtornos do neurodesenvolvimento, como o autismo, já que isso unifica ainda mais a conversa sobre laudos e ajuda a consolidar avanços clínicos e científicos em uma linguagem padronizada e global.
Isso porque, quando falamos sobre saúde, existem alguns manuais e documentos da área que contam com regras e normatizações.
No caso do autismo, temos a CID-11 — Classificação Internacional de Doenças — e o DSM-5 — Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais — documentos são atualizados conforme o ano, e por isso ganham essa numeração ao lado do nome, conforme a última edição lançada.
Dessa forma, várias versões da CID já foram lançadas e, a cada nova atualização, a OMS costuma acrescentar informações e classificações novas, que antes não constavam na lista, aumentando as possibilidades de diagnósticos.
Nesse texto abordamos quais mudanças que a CID-11 apresenta para o TEA e como essas alterações impactam a vida de quem está no espectro ou daqueles que cuidam de alguém com desenvolvimento atípico. Leia para aprender tudo sobre!
O que significa CID?
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) a CID é a Classificação Internacional de Doenças, lesões e causas de mortalidade, utilizada como linguagem comum entre profissionais da saúde de diversas áreas.
Essa tabela é publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para padronizar classificações, tanto físicas quanto mentais, de doenças, condições ou questões de saúde.
A CID é a base para identificar estatísticas e tendências de saúde em todo mundo, contendo cerca de 55 mil códigos únicos.
Dessa forma, a CID é usada como um recurso da saúde muito importante, que permite que a incidência ou prevalência de condições sejam monitoradas e classificadas.
É a partir dessa linguagem comum que se torna possível a comunicação efetiva entre profissionais de diferentes especialidades sobre uma condição de saúde.
Além disso, graças a documentos como este que países diferentes podem estudar, reportar e monitorar condições de saúde e assim se preparar para situações como a pandemia da COVID-19, por exemplo.
O que é a CID-11?
A CID-11 é a décima primeira revisão da Classificação Internacional de Doenças, que foi lançada em junho de 2018, aprovada em maio de 2019 e com sua última atualização feita e publicada em 11 de fevereiro de 2022.
Esse é um documento organizado pela Organização Mundial da Saúde e o número 11 se refere à sua última revisão publicada, que substituiu a CID-10 como padrão global para registro de informações de saúde e causas de morte.
O objetivo da CID-11 é gerar diagnósticos muito mais assertivos, coletando dados estatísticos atualizados e permitir o planejamento de ações assistenciais e políticas públicas, ajudando profissionais e criando uma linguagem padronizada para diagnósticos e estratégias, por exemplo.
Dessa forma, essa tabela visa oferecer uma linguagem comum para que profissionais da saúde de especialidades e países diferentes possam se comunicar sobre transtornos, doenças, lesões e causas de mortalidade.
Nele constam informações diagnósticas do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). A partir dessa versão, foram reunidos todos os transtornos que antes faziam parte do espectro do autismo, como autismo infantil e Síndrome de Asperger, em um único diagnóstico e nomenclatura: o TEA.
Outro manual de classificação de doenças muito conhecido é o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), utilizado especialmente para a descrição de quadros diagnósticos de saúde mental.
A seguir são apresentadas algumas das diferenças fundamentais entre esses dois documentos.
Qual a diferença do CID para o DSM?
A principal diferença entre esses manuais é que enquanto o DSM se dedica apenas aos transtornos mentais, a CID detalha de forma mais ampla todas as definições de doenças, problemas e condições de todos os campos da saúde, sendo um documento referência para médicos e profissionais do mundo todo.
Apesar das diferenças apresentadas acima, uma característica comum entre esses dois instrumentos é que ambos permitem a comunicação entre áreas diferentes da saúde, que têm vocabulários distintos, porém podem se utilizar de documentos como esses para se comunicarem efetivamente entre si.
Além disso, essas duas ferramentas podem auxiliar no processo de diagnosticar condições de saúde e assim possibilitar o acesso a intervenções e tratamentos de qualidade.
Geralmente, planos de saúde utilizam essas classificações para reembolsar despesas com o tratamento, por isso é importante que pessoas autistas, profissionais que atuam na área e familiares saibam a respeito desses manuais.
CID-10: como o autismo era inserido
Na CID-10 a classificação do autismo se encontrava nos Transtornos Globais do Desenvolvimento (F84).
Dessa forma, era possível que uma pessoa fosse diagnosticada com:
- F84.0 – Autismo infantil
- F84.1 – Autismo atípico
- F84.2 – Síndrome de Rett
- F84.3 – Outro transtorno desintegrativo da infância
- F84.4 – Transtorno de hipercinesia associada a retardo mental e a movimentos estereotipados
- F84.5 – Síndrome de Asperger
- F84.8 – Outros transtornos globais do desenvolvimento
- F84.9 – Transtornos globais não especificados do desenvolvimento
Quais as mudanças no diagnóstico de autismo na CID-11?
A CID-11 (última versão deste manual) segue o que foi proposto pela quinta edição do DSM-5. Dessa forma, o TEA também engloba o que antes era considerado Transtorno Global do Desenvolvimento na CID10.
Entre as principais mudanças para o autismo na CID-11 podemos destacar:
- Critérios diagnósticos ampliados com foco em dificuldades na interação social, comunicação e comportamentos repetitivos, avaliados por níveis de suporte;
- Modificações adicionais que permitem especificar se existe ou não deficiência intelectual, comprometimento da linguagem, ou condições de comorbidade como TDAH e Epilepsia.
- Subtipos específicos para inclusão de condições associadas como deficiência intelectual e comprometimento da linguagem, tornando o diagnóstico mais preciso e individualizado, o que ajuda no planejamento de intervenções e coletas de dados.
Dessa forma, na versão 11 do manual existe uma unificação de todos os quadros característico do autismo, e os diagnósticos de autismo passam a fazer parte dos Transtornos do Espectro do Autismo, que com as novas diretrizes ganha um novo código — 6A02 — e novas subdivisões:
6A02.0 – TEA sem TDI e com leve ou nenhum comprometimento da linguagem funcional
Inclui pessoas que:
- Atendem aos critérios diagnósticos para TEA.
- Não apresenta TDI.
- Possuem leve ou nenhum comprometimento no uso funcional da linguagem/comunicação, seja pela fala ou por outros recursos, como imagens, textos, sinais, gestos ou expressões.
6A02.1 – TEA com TDI e com leve ou nenhum comprometimento da linguagem funcional
Inclui pessoas que:
- Atendem aos critérios diagnósticos para TEA.
- Apresentam TDI.
- Tem leve ou nenhum comprometimento na comunicação funcional, seja pela fala ou por outros recursos.
6A02.2 – TEA sem TDI e com linguagem funcional prejudicada
Inclui pessoas que:
- Atendem aos critérios diagnósticos para TEA.
- Não apresenta TDI.
- Demonstram prejuízos acentuados na comunicação funcional para a idade, utilizando apenas palavras isoladas, frases simples ou outros recursos comunicativos (como imagens, texto, sinais, gestos ou expressões).
6A02.3 – TEA com TDI e linguagem funcional prejudicada
Inclui pessoas que:
- Atendem aos critérios diagnósticos para TEA.
- Apresentam TDI.
- Tem comunicação funcional gravemente prejudicada, limitando-se a palavras isoladas, frases simples ou outros recursos comunicativos.
6A02.5 – TEA com TDI e ausência de linguagem funcional
Inclui pessoa que:
- Atendem aos critérios diagnósticos para TEA.
- Apresentam TDI.
- Não têm repertório ou uso de linguagem/comunicação funcional, seja pela fala ou por outros recursos comunicativos.
Importante destacar que: o código “6A02.4 – Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual (DI) e com ausência de linguagem funcional” foi excluído da versão final da CID-11.
Além disso, ainda existem mais 2 subtipos de TEA na CID-11:
- 6A02.Y – Outro TEA especificado.
- 6A02.Z – TEA não especificado.
Assim, algumas classificações e quadros diagnósticos que antes eram usados, passam a não mais fazer parte da CID-11. Vamos entender melhor sobre algumas delas.
Síndrome de Asperger não existe mais?
Ao observarmos a nova classificação, é possível perceber que, assim como no DSM-5, o termo Síndrome de Asperger passa a não mais ser utilizado.
Em seu lugar, surgem outras classificações mais descritivas quanto à presença ou não de deficiência intelectual, ou presença, ou não, de prejuízo na linguagem.
Aqueles que receberam anteriormente esse diagnóstico, são identificados como autistas com nível de necessidade de suporte 1, também conhecido como autismo leve.
Todos os comportamentos que antes faziam parte do que se nomeava como Síndrome de Asperger, ainda fazem parte de padrões a serem observados ao diagnosticar alguém no espectro.
O que muda é a separação entre autismo e asperger, que agora passam a fazer parte de um mesmo espectro que varia em relação à frequência e intensidade de algumas características.
E autismo infantil?
Outro diagnóstico bastante comum era o de autismo infantil. Anteriormente determinado pelo código F84.0, essa nomenclatura também foi desconsiderada na nova versão do CID 11, seguindo o mesmo modelo do DSM-5.
Sendo assim, a partir do CID 11, o autismo infantil deixa de ser uma possibilidade de diagnóstico. E ao invés disso, a equipe que avalia a criança precisa determinar qual o nível de necessidade de suporte dela.
Atualização CID-11: Preciso mudar ou atualizar laudos diagnósticos antigos?
De acordo com a legislação brasileira que afirma que toda mudança ou novidade nas leis vale para casos a partir da data regida, somente novos diagnósticos devem ser atualizados com as mudanças da CID-11.
Por isso, não é uma obrigatoriedade que pessoas que já tenham o laudo atualizem esse documento com essas informações. Porém, como a nova classificação unifica as subcategorias da CID-10 e garante maior precisão e detalhamento, a atualização do documento pode ajudar a facilitar o planejamento futuros.
Assim como os laudos diagnósticos auxiliam na comunicação entre os diversos profissionais que podem atuar com a pessoa no espectro, é necessário que esse documento esteja atualizado também para que despesas médicas e de outras intervenções sejam reembolsadas.
Dessa forma, é importante manter essa documentação atualizada sempre que possível, respeitando as possibilidades e vivências de cada família. Para ter ajuda em como conseguir atualizar o laudo diagnóstico, procure os profissionais que atuam com a pessoa com TEA.
Será necessário que um médico dê a documentação para que o plano de saúde faça o reembolso das despesas. Apesar disso, outros profissionais também podem oferecer relatórios com essas atualizações, como os psicólogos.
Cuidados necessários ao falarmos de diagnósticos
Manuais diagnósticos e classificatórios, como a CID-11 e o DSM-5, são utilizados por profissionais para se comunicarem entre si e para direcionar algumas práticas, intervenções e cuidados necessários.
Diagnósticos não devem ser usados para reduzir uma pessoa a uma caixinha ou para generalizar experiências.
É comum que ativistas autistas descrevam incômodo com profissionais ou familiares que reduzem sua experiência a uma lista de sintomas. Essa é uma crítica válida e que pode ser estendida para qualquer outro diagnóstico.
Diagnósticos precisos são importantes para direcionar os cuidados necessários, mas não descrevem quem é aquela pessoa. Cada pessoa é única, independente de ser ou não diagnosticada com algum transtorno.
Conclusão
Com a atualização para a CID-11, a OMS faz ajustes importantes em como entendemos e falamos sobre autismo, além de criar ainda mais singularidade nas possibilidades do espectro.
Ao abraçar as neurodivergências, promover diagnósticos precisos e individualizados, e destacar estratégias baseadas em evidências, a CID-11 permite unificar a linguagem sobre TEA e capacitar profissionais que buscam cada vez mais informações.
É importante que pais e pessoas cuidadoras também entendam sobre as mudanças e estejam atentos para possíveis atualizações de diagnósticos. Se você tem interesse em entender mais sobre TEA e deseja se manter atualizado leia nosso blog: