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Muitas vezes, o diagnóstico de autismo pode vir acompanhado de comorbidades, que são outras condições físicas, psiquiátricas e/ou cognitivas associadas ao TEA. Quando identificadas, as comorbidades influenciam nas estratégias de tratamento e intervenção propostas para garantir melhor qualidade de vida e desenvolvimento do indivíduo.
Assim, as comorbidades no autismo podem variar de pessoa para pessoa, sendo que as mais comuns são: transtornos de ansiedade, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), epilepsia e distúrbios do sono.
Entender qual — ou quais — comorbidades estão associadas ao autismo é essencial para garantir o melhor programa de intervenção para a pessoa e atender todas as suas necessidades.
Por isso, conversamos mais sobre o assunto com o neuropediatra Dr. José Salomão Schwartzman, especialista em autismo e transtornos do neurodesenvolvimento. Confira!
O que são comorbidades?
As comorbidades são condições médicas ou psiquiátricas, que podem coexistir com uma determinada doença ou transtorno. Ou seja, é quando uma mesma pessoa recebe diagnósticos de duas ou mais condições ao mesmo tempo.
Dessa forma, comorbidades são condições, doenças ou transtornos pré-existentes que, quando associadas a um novo diagnóstico, podem tornar-se agravante do quadro clínico, como foi o caso de comorbidades em pessoas com Covid-19, por exemplo.
Por esse motivo, uma série de condições foram consideradas prioridade para a vacinação contra Covid-19, por exemplo.
É importante entender que essas condições podem ocorrer em qualquer momento da vida da pessoa, podendo influenciar a apresentação, gravidade e até o curso da doença ou transtorno principal.
Além disso, também são consideradas comorbidades toda doença, condição ou estado físico e mental que potencialize os riscos à saúde de uma pessoa caso ela venha a se infectar com algum agente patogênico.
Nesse sentido, comorbidades consideradas para receber a vacina foram:
- Arritmias cardíacas;
- Cardiopatias hipertensivas e congênitas no adulto;
- Cirrose hepática;
- Diabetes mellitus;
- Entre outras.
Vale lembrar que alguns estados, como o de São Paulo, entendia como comorbidade pessoas que usavam óculos, devido à miopia ou astigmatismo.
Diferença entre comorbidades e patologias?
Como vimos, uma comorbidade é a presença de uma condição de saúde que existe ao mesmo tempo que outra no organismo de uma pessoa. Já a patologia é um ramo da medicina, que se dedica ao estudo das doenças de uma forma ampla, além de nomear processos de causas desconhecidas.
Existe uma série de condições de saúde que podem ser consideradas comorbidades, como no caso de alguém que apresenta hérnia de disco em investigação e tem também quadros de obesidade ou diabete, por exemplo.
Dessa forma, entendemos que as comorbidades não estão diretamente relacionadas com a investigação inicial, mas são doenças crônicas que interferem na saúde dessa pessoa e, por isso, podem impactar diretamente no diagnóstico, tratamento e cuidado.
Assim, uma das características das comorbidades é que exista a possibilidade de as patologias se potencializarem mutuamente, ou seja, uma irá provocar o agravamento da outra ou vice-versa.
Quais são as principais comorbidades do autismo?
O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por dificuldades na comunicação e interação social e a presença de padrões de comportamentos restritos e repetitivos.
Por isso, quando falamos em TEA, as comorbidades podem ter um impacto significativo na qualidade de vida e no núcleo familiar da pessoa no espectro.
Por exemplo, pessoas autistas com transtorno de ansiedade podem ter maior dificuldade em lidar com situações sociais desafiadoras ou estressantes, enquanto pessoas autistas com epilepsia precisam receber tratamento médico adequado.
Segundo o Dr. Salomão: “grande parte dos quadros de TEA têm comorbidades. Nem sempre são identificadas, porque prevalece o quadro maior de autismo”, aponta.
Entre as principais comorbidades relacionadas ao autismo, temos:
Epilepsia
A epilepsia é um distúrbio neurológico caracterizado por descargas elétricas anormais e excessivas, bem como movimentos involuntários no corpo.
Assim, durante algum tempo, o cérebro recebe descargas, impulsos ou sinais elétricos incorretos, interrompendo temporariamente sua função habitual e produzindo manifestações involuntárias em aspectos como: controle muscular, sensibilidade ou na consciência.
Esse distúrbio pode atingir entre 25% a 40% das pessoas com TEA, gerando convulsões. É importante ficar de olho em sintomas como: olhar fixo, enrijecimento dos músculos, contrações involuntárias dos membros e regressão de desenvolvimento.
Deficiência intelectual
A deficiência intelectual ou DI, como é chamada, é um distúrbio do desenvolvimento neurológico, onde existe um funcionamento intelectual abaixo da média, apresentando um QI abaixo de 70.
Pessoas com DI apresentam dificuldades de raciocínio, resolução de problemas, planejamento e aprendizagem. Além disso, também é muito comum algumas barreiras de comunicação e interação social.
É importante destacar que, tanto a deficiência intelectual quanto o TEA são transtornos do desenvolvimento. Mas, mesmo que elas possam se manifestar juntas, isso não quer dizer que todos os autistas tenham deficiência intelectual.
De acordo com pesquisas feitas pelo CDC, 40% das pessoas autistas possuem algum tipo de DI.
Autismo e deficiência intelectual
Presente em pelo menos 30% dos casos de autismo, a deficiência intelectual é uma comorbidade tão importante que faz parte dos critérios diagnósticos do DSM-5 (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, da Associação Americana de Psiquiatria) e CID-11 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial da Saúde).
Assim, a variação do diagnóstico pode ser de:
- TEA sem deficiência intelectual;
- TEA com deficiência intelectual;
Em todos os casos, a variação também ocorre de acordo com o prejuízo identificado na linguagem funcional, podendo ser:
- Comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;
- Linguagem funcional prejudicada;
- Ausência de linguagem funcional.
“A maior comorbidade no autismo é deficiência intelectual. De 30% a 40% das crianças com TEA têm graus variados de DI e aí, evidentemente, o prognóstico é muito pior, porque você tem uma conjunção nefasta dos quadros de autismo, mais o que decorre da deficiência intelectual dessa criança. Então, fazer um diagnóstico de autismo é o primeiro passo. Depois disso, eu tenho que avaliar o grau de comprometimento e procurar possíveis comorbidades”, afirma Schwartzmann.
Distúrbios gastrointestinais
Distúrbios gastrointestinais podem ser uma variedade de condições e até mesmo doenças que afetam o sistema digestivo, desde o esôfago até o reto, envolvendo órgãos como o estômago, intestinos, fígado, pâncreas e vesícula biliar.
Em geral, distúrbios gastrointestinais interferem no processo de digestão, absorção de nutrientes e eliminação de resíduos. Entre os mais comuns temos: refluxo, hepatites, gastrite, intolerância à lactose, doença celíaca e síndrome do intestino irritável.
Segundo estudos, eles são comorbidades bem comuns em pessoas autistas, com mais de 85% delas tendo algum diagnóstico nesse sentido.
Devido às dificuldades na interação social e às alterações na fala observadas em indivíduos com Transtorno do Espectro Autista, por vezes, os distúrbios gastrointestinais podem passar despercebidos pela equipe que acompanha a pessoa.
Além disso, o uso de psicofármacos, como a risperidona, frequentemente usados para tratar as alterações comportamentais em pessoas com TEA, pode influenciar negativamente o padrão alimentar dessas crianças e contribuir para complicações gastrointestinais.
Distúrbios alimentares
Os distúrbios alimentares são transtornos que descrevem condições ou doenças caracterizadas por hábitos alimentares irregulares. Dessa forma, uma pessoa com distúrbios alimentares pode ingerir quantidades menores ou maiores de alimentos, influenciando na ingestão de nutrientes do organismo.
Quando falamos como uma comorbidade no autismo, podemos ligar diretamente a seletividade alimentar ou obesidade. Entre os principais sintomas estão as dificuldades sensoriais na ingestão de alimentos ou efeitos colaterais de medicamentos.
Distúrbios do sono
Distúrbios do sono são considerados comportamentos psicológicos e de movimento que podem criar dificuldades para uma pessoa no começo, meio ou até despertar do sono.
Entre os principais temos insônia, apneia do sono, sonambulismo, bruxismo e paralisia do sono. Quando falamos de pessoas com TEA, muitas mostram dificuldades crônicas de sono, com comportamentos de diurnos que podem impactar a qualidade de vida de todos.
Genética, medicamentos e ansiedade podem desempenhar um papel na perturbação do sono de pessoas no espectro.
Comorbidades psiquiátricas
Estudos apontam que aproximadamente 85% das crianças diagnosticadas com autismo também apresentam algum transtorno psiquiátrico coexistente, e dessas, 35% utilizam pelo menos um medicamento psicotrópico como parte do tratamento.
Entre as comorbidades mais prevalentes no Transtorno do Espectro Autista (TEA), destacam-se:
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH);
- Ansiedade;
- Depressão;
- TOC.
TEA com comorbidade TDAH
Já o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) também é uma comorbidade comum em pessoas com autismo. Sendo que estudos afirmam que pode ocorrer em cerca de 40% dos casos, como citado anteriormente.
Um ponto importante ressaltado pelo Dr. Salomão é justamente a possibilidade da comorbidade ser confundida com o quadro total, fazendo com que muitos especialistas emitam um diagnóstico errado:
“É muito frequente, por exemplo, a comorbidade com TDAH. É tão comum, que um monte de crianças pequenas têm o diagnóstico de TDAH anos antes de receber o diagnóstico de autismo. É um TDAH que não responde tão bem quanto as outras crianças, em que o uso de estimulante cerebral dá um resultado mais ou menos porque ela [criança], na verdade, tem TDAH num quadro maior que é o autismo. Essas crianças, normalmente, têm um retardo no diagnóstico de mais de dois anos”.
Nestes casos, além do programa de intervenções, pode haver a indicação de medicamentos que ajudem a controlar a agitação do indivíduo, como a Risperidona.
Dados e pesquisas sobre comorbidade e autismo
Conforme o estudo “Cuidando de quem cuida”, realizado pela Genial Care em 2020, 35% das pessoas respondentes afirmou que o diagnóstico de autismo vinha com alguma comorbidade, sendo que as principais citadas na pesquisa foram: TDAH (46%), transtornos de ansiedade (29%) e deficiência intelectual (21%).
Esses dados partem de uma amostra com pouco mais de 500 respondentes. Outros dados levantados em estudos científicos, como:
- Aparecendo em 40% dos casos de transtorno do espectro do autismo (ASD), a ansiedade comórbida apresenta desafios únicos para os profissionais, amplificando comportamentos problemáticos, como déficits de habilidades sociais, resistência à mudança e comportamentos repetitivos. (Comorbid autism spectrum disorder and anxiety disorders – a brief review – 2018);
- Relatórios recentes indicam que o TEA é encontrado em 1,5% da população, enquanto o TDAH é encontrado em 7,2% (Structural brain abnormalities in children and adolescents with comorbid autism spectrum disorder and attention-deficit/hyperactivity disorder – 2019);
- 28% dos pacientes diagnosticados com TEA provavelmente também tendo TDAH com comorbidade e até 70% dos pacientes com TDAH exibindo sintomas de TEA. (Structural brain abnormalities in children and adolescents with comorbid autism spectrum disorder and attention-deficit/hyperactivity disorder – 2019).
Qual o impacto das comorbidades no diagnóstico de TEA?
A identificação da comorbidade em pessoas autistas pode ser desafiadora, uma vez que os sintomas de ambas frequentemente se assemelham ou confundem entre si.
Por isso, é muito importante que pais, familiares e pessoas cuidadoras, assim como educadores e profissionais dessas crianças, estejam familiarizados com os sinais das principais comorbidades do autismo.
Isso porque, a presença de comorbidades influencia diretamente as estratégias de intervenção e estratégias de desenvolvimento. Um plano personalizado é essencial para abordar tanto os sintomas autistas quanto as comorbidades, garantindo um suporte abrangente e eficaz.
Algumas comorbidades, especialmente aquelas relacionadas a transtornos de ansiedade e depressão, podem levar os indivíduos com TEA a desenvolverem estratégias de “máscaras sociais”.
Isso significa que podem aprender a camuflar ou minimizar seus comportamentos autistas em determinadas situações, dificultando a observação dos sintomas pelos profissionais de saúde.
Compreender o impacto das comorbidades também destaca a importância da identificação precoce. Quanto mais cedo as comorbidades forem reconhecidas, mais rapidamente intervenções adequadas podem ser implementadas, melhorando o prognóstico global.
Quando a comorbidade esconde o autismo
Ainda conforme o neuropediatra explica, existem casos em que o autismo não é descoberto, porque a comorbidade é apontada como o diagnóstico principal e todo foco de intervenção de volta para essa condição. Alguns exemplos disso são as Síndromes de Angelman, Williams e do X-frágil.
Como exemplificação do prejuízo da não descoberta do autismo, o Dr. Salomão usa casos de crianças com Síndrome de Down:
“Como o indivíduo com Síndrome de Down com graus variáveis de severidade e deficiência intelectual pode ter um grau importante de DI, é comum você não perceber o quadro de autismo. Isso faz com que essa criança seja aquela que não evolua, que por mais terapia que faça, não ganhe tanto quanto se espera que ganhe, porque não está se tratando do problema maior. Nesses casos, você tem que tratar o autismo, além daquilo que se faz habitualmente com a Síndrome de Down”, explica.
Comorbidades no autismo atrapalham a vida da pessoa?
Por último, é importante reforçar que a presença de comorbidades no autismo não significa que a pessoa terá uma vida limitada.
Por esse motivo, é importante que a equipe responsável pelo diagnóstico e a família estejam sempre atentos a sinais que podem indicar a presença de condições para além do autismo.
As comorbidades também precisam ser consideradas no momento de implementar um programa de intervenção e pensar no tratamento do indivíduo, que pode ou não envolver medicamentos e/ou rotinas médicas em alguns casos.
Conclusão
As comorbidades podem ter um papel significativo na complexidade do diagnóstico do TEA. Uma abordagem integrada, atenta aos sinais distintos e à colaboração entre especialistas, é essencial para uma avaliação precisa.
Além disso, a compreensão do impacto das comorbidades orienta a personalização de estratégias de intervenção, garantindo um suporte abrangente e eficaz para indivíduos com TEA.
Se você ainda tem dúvidas sobre essas condições coexistentes ao TEA, não deixe de conversar com a equipe que acompanha o desenvolvimento da criança.
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