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A maternidade atípica pode trazer muitos desafios e aprendizados. Receber a notícia de que a criança que você planejou, esperou nascer – ou buscou no hospital para adoção – tem autismo não é fácil e a luta para conscientizar a sociedade sobre o TEA e garantir os direitos da criança e da família começam a ser parte fundamental do dia a dia.
Mães de pessoas com autismo – e pessoas com deficiência, no geral – são, muitas vezes, chamadas de guerreiras por se desdobrarem na rotina para garantir a qualidade de vida de seus filhos. Mas esse romantismo que a maternidade atípica acarreta pode atrapalhar mais do que ajudar.
Neste Dia das Mães, a Genial Care conversou com duas mulheres que vivem os desafios e a realidade de serem mães de autistas.
As mães como principais cuidadoras dos filhos com autismo
Na maioria esmagadora das vezes, as mães se tornam as principais cuidadoras dos filhos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). De acordo com o estudo “Cuidando de quem cuida: um panorama sobre as famílias e o autismo no Brasil”, realizado pela Genial Care, 86% dos respondentes declararam que os principais cuidadores das crianças com autismo de 0 a 12 anos eram as mães.
Além disso, existe outro fator que contribui para maior sobrecarga das mulheres. Segundo dados do Instituto Baresi em 2012, cerca de 78% dos pais abandonaram as mães de crianças com deficiências e doenças raras, antes dos filhos completarem 5 anos de vida.
Maternidade atípica: sobrecarga na rotina
A sobrecarga na rotina é uma realidade bem latente entre as mães de pessoas com autismo. Para estudar os efeitos desse fenômeno, uma pesquisa publicada no Journal of autism and developmental disorders comparou o nível de estresse em mães de autistas com o estresse crônico apresentado por soldados combatentes.
Esse estudo norte-americano avaliou que as mães de crianças com autismo passavam duas horas a mais por dia do que as mães de crianças neurotípicas nos cuidados com os filhos. Além disso, elas também eram mais interrompidas durante o trabalho.
Com isso, os resultados demonstram que essas mulheres também têm:
- Duas vezes mais probabilidade de ficarem cansadas,
- Três vezes mais chances de passarem por um evento estressante.
A paulistana Ana Maria Elias Braga é mãe dos gêmeos Rafael e Renato, que estão no espectro do autismo, e conhece bem essa realidade da sobrecarga vivida por muitas outras famílias. “Toda mãe de pessoa com deficiência é sobrecarregada, ela não dorme tempo suficiente, ela está alerta 24 horas por dia, eles são dependentes até nas atividades mais básicas”.
Ela ainda diz se sentir privilegiada pelo fato de ter o apoio do marido, Carlos, para dividir as tarefas de cuidar dos filhos. Hoje os gêmeos têm 27 anos e fazem além das intervenções para TEA, também teatro e atividades físicas.
Mesmo sabendo se comunicar de forma oral e conseguindo fazer algumas tarefas sozinhos, os dois ainda dependem muito dos pais para realizar as atividades.
Com isso, ela também alerta para um dos principais receios das famílias que convivem com o autismo no Brasil. “A maior preocupação de uma mãe atípica é quem ficará com eles quando não estivermos mais aqui. A maternidade atípica muda toda a trajetória da vida de uma mãe. Não tem como pensar ‘ah, é só uma fase que vai passar e meu filho vai crescer e ser independente’, é muito diferente [da maternidade típica]”.
A maternidade sendo autista
A mineira Michelle Malab sempre se sentiu diferente de todas as pessoas que conhecia, mas só entendeu o motivo disso quando o filho mais velho, Pedro, foi diagnosticado com autismo. Isso porque foi por meio das dificuldades do filho e da procura por ajuda profissional que ela, mais tarde, descobriu que também estava no espectro.
“No início, quando não tinha o meu diagnóstico, eu acreditava que meu filho era atípico e que eu era neurotípica. Então, era uma maternidade que eu estava vivendo atipicamente em relação a ele. Quando tive meu diagnóstico, eu comecei a ver as dificuldades. Depois, com o nascimento da minha filha, comecei a identificar as diferenças. Eu me reconhecia mais no meu filho do que na minha filha nessa questão, e vi que a maternidade em relação a eles teria uma grande diferença”.
Se descobrir no espectro na vida adulta foi o momento de muitas redescobertas na vida pessoal e profissional. Além da maternidade, Michelle também está no mercado de trabalho e conta alguns dos principais desafios em relação a isso.
“A falta de rotina me desregula e o que me sobrecarrega são as informações em excesso. A gente tenta filtrar, tenta se organizar da melhor forma. Mas o que mais me tira do eixo é justamente a falta de uma rotina e de uma organização”.
Qual o maior medo das mães de autistas?
Quando falamos em medo e preocupação, sabemos que a maternidade atípica é carregada de muitos deles. Mas um em especial é unânime: o medo do futuro. Com crianças e adultos que dependem dos cuidadores para muitas atividades diárias, a ideia de saber que um dia não estarão mais aqui gera angústia e desespero.
“Minha maior preocupação é em relação ao futuro dos meus filhos, em especial do Pedro, que tem a condição de autista. De como ele vai ficar no futuro. Nós vivemos num país onde as políticas públicas ainda não têm avançado em muita coisa. A gente avançou na questão da Lei de Cotas, a Lei Brasileira de Inclusão que veio aí dar um um grande passo nessas questões de acessibilidade, de inclusão social, mas nós não temos um termo de execução mesmo”, resume Michelle.
Ela ainda continua falando sobre o medo de partir e deixar o filho desassistido. “Por mais que ele seja um autista de nível 1, ele ainda precisa de um suporte moderado que hoje eu e o pai damos. Mas na nossa ausência, quem dá esse suporte? Estamos acostumados a ver muitas pessoas em situação de rua com transtornos mentais e a gente não deixa de pensar, né? De remeter ao filho, porque a gente não sabe o dia de amanhã”.
Por uma sociedade mais inclusiva
As falas das duas também se unem muito quando falamos sobre os desafios da maternidade atípica e, principalmente, os sonhos para uma sociedade mais inclusiva para seus filhos e todas as pessoas com autismo e outras deficiências. Para Ana Maria, o respeito ao próximo é essencial.
“É preciso que os pais de crianças neurotípicas ensinem a elas que as diferenças existem, e que elas devem respeitar e ser amigos dos colegas que não se comunicam oralmente, dos que não enxergam, e dos que têm qualquer tipo de dificuldade”.
Já Michelle enxerga que caminhamos por um caminho inverso, onde as crianças conseguem ensinar aos pais. “O mundo é feito de diferenças e nós precisamos aprender com elas. Eu acho que essa geração que está vindo aí é uma geração mais evoluída. As crianças têm ensinado muito para os pais. Hoje a escola fala mais abertamente sobre questões de inclusão, sexualidade, de respeito, assuntos que na nossa época não eram discutidos”, conclui.