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Após receber o diagnóstico de autismo, muitas pessoas cuidadoras se deparam com uma onda de pensamentos intrusivos, principalmente se questionando: “é minha culpa?”, que se mistura em um turbilhão de emoções para tentar entender qual a causa do autismo.
Essa mistura de sentimentos ruins pode ser muito comum no núcleo familiar da pessoa recém diagnosticada com autismo, mas apesar disso, se deixar levar por pensamentos assim podem trazer uma sobrecarga emocional, que impacta na saúde mental – e até mesmo física – da pessoa cuidadora.
Apesar desse caminho parecer incerto, e gerar insegurança, é um processo que toda pessoa cuidadora se depara ao aceitar o diagnóstico do autismo; pessoas cuidadoras tendem a iniciar a jornada de descoberta das intervenções e, em paralelo, se preparam para trilhar por esse caminho junto aos filhos no espectro autista.
Pensando em dividir histórias e depoimentos, conversamos com duas mães que já passaram por esse processo, e hoje compartilham experiências em suas próprias redes sociais, ou em espaços dedicados à comunidade do autismo no geral.
Continue a leitura desse texto e veja como Stefanie Freitas, mãe do Matteo de 4 anos, e Andrea Bussade, mãe do Gabriel, de 23 anos, lidaram com a descoberta do autismo.
É minha culpa que meu filho tem autismo?
Um dos mitos do autismo que provocam uma crescente ansiedade em pessoas cuidadoras e causam ainda mais essa sensação de existir uma “culpa” sobre o diagnóstico é o mito da mãe geladeira.
Essa informação falsa questiona se a falta de carinho e amor das famílias causa o autismo, fazendo com que muitas mães se perguntem se é “minha culpa o autismo dos meus filhos?”.
A geladeira, do mito, vem justamente dessa “frieza”, que no sentido figurado da palavra representa a falta de afeto e atenção.
Mas isso não é verdade! Já foi comprovado que a falta de afeto não resulta no autismo. As pessoas cuidadoras não têm culpa nenhuma sobre o autismo em seus filhos, e o autismo não tem nada a ver com a falta de amor.
As causas do autismo ainda estão sendo estudadas, mas já sabemos que a genética tem um papel fundamental no desenvolvimento do Transtorno do Espectro Autista (TEA), assim como variáveis ambientais também podem se tornar fatores de risco para o diagnóstico.
Estudo aponta que 47% das mães se sentem culpadas pelo diagnóstico de seu filho
Em 2023, a Genial Care em parceria com a Tismoo.me realizou o estudo “Retratos do Autismo no Brasil”, durante o mês de setembro, para colher dados relevantes e atualizados sobre pessoas autistas e suas famílias.
Com mais de 2 mil respostas, foi possível ter uma amostragem válida considerando a estimativa de população com TEA no Brasil, de acordo com base em dados do CDC que dizem que 1 em cada 36 pessoas está no espectro do autismo nos Estados Unidos (2023) — com grau de confiança de 99% e margem de erro de 3%.
Segundo resultados da nossa pesquisa, foi possível ver que 47% das mães se sentem culpadas pelo diagnóstico de TEA de seus filhos. Além disso, 64% das pessoas que responderam o questionário afirmam que não tinham contato com o transtorno antes do diagnóstico da criança ou próprio.
Você pode ter os dados completos do nosso estudo “Retratos do Autismo no Brasil” clicando no banner abaixo:
Em entrevista à CNN Rádio, Mariana Tonetto, líder clínica da Genial Care, explicou melhor os dados da nossa pesquisa e lembrou que o Brasil é muito grande e há quem “tem acesso ao diagnóstico e quem não tem acesso”.
Para diagnóstico do autismo são utilizados manuais como o DSM e a CID. De acordo com a versão mais recente do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), da Associação Americana de Psiquiatria, as causas do autismo são:
- Genéticas;
- Fisiológicas;
- Ambientais.
Como aceitar o diagnóstico de autismo?
Receber o diagnóstico de autismo de seu filho pode ser um momento desafiador, principalmente pelas quebras de expectativas e as inseguranças quanto ao futuro da pessoa no espectro, a necessidade de suporte no dia a dia e a inclusão da pessoa com TEA na sociedade.
Aliás, a inclusão não acontece somente em espaço compartilhados, é primordial que as famílias acolham as necessidades de suporte e incluam a pessoa no espectro nas atividades do dia a dia, mesmo que adaptadas.
A mãe Stefanie conta que para a inclusão dentro de casa acontecer é “primordial o respeito para a criança “antes do autista, vem a criança”, defende.
Outro depoimento importante compartilhado por Andrea é assistir às intervenções da criança, dessa forma é capaz de conhecer mais a criança recém diagnosticada, e entender quais são, de fato, as necessidades da criança no espectro.
O pensamento de “minha culpa” pode existir, mas lembre-se: você não está só!
A fase de receber o diagnóstico pode resultar no afastamento de alguns familiares e outras pessoas que eram mais próximas da pessoa no espectro.
Infelizmente, isso é mais comum do que parece, afinal, nem todas as pessoas se sentem prontas para acolher e acompanhar as famílias nesta jornada.
Stefanie compartilhou que alguns familiares ainda desacreditam do diagnóstico de Matteo: “nos afastamos desses, e ficamos com os que nos apoiam de alguma forma e respeitam a forma como ele experimenta o mundo”.
Apesar de alguns dos familiares da Stefanie não a apoiarem como ela gostaria, ela buscou por comunidades do autismo: “eu procurei muito por hashtags no Instagram relacionadas ao autismo, entrei em grupo no Telegram e me inscrevi em vários canais sobre o tema”.
Além disso, ela contava com a ajuda de uma prima, para a qual ela dividia e compartilhava as frustrações nessa fase do recém-diagnóstico.
Já a família de Andrea Bussade acolheu e aceitou o transtorno de seu filho Gabriel, um adulto de 23 anos, que recebeu o diagnóstico de autismo nível 3 (também chamado de autismo severo) aos 2 anos.
Entretanto, ela mora no Rio de Janeiro, enquanto grande parte da sua família está no interior, na cidade de Itaperuna, por conta disso, o contato é ainda menor.
Andrea conta que está a todo o tempo com o filho Gabriel, exceto quando está em horário de trabalho, pois precisa ir até o escritório; enquanto ela realiza suas tarefas, é o marido Gustavo que oferece todo o suporte ao Gabriel.
“Ele não tem autonomia, não toma banho sozinho, não muda a roupa, por isso fico em revezamento com o pai dele para auxiliar nas atividades da vida diária”, conta.
A ligação entre diagnóstico de autismo e as incertezas do futuro
Para as famílias, a educação é um direito exigido desde a primeira infância. O direito à alfabetização é algo básico, além de ser assegurado por lei para todo indivíduo.
Apesar disso, a inclusão da pessoa autista nas escolas ainda preocupa Andrea e Stefanie, que relataram estar próximas a esse processo de alfabetização e em busca do direito de uma educação inclusiva para pessoas com TEA.
Para Stefanie, a preocupação é a “falsa inclusão”. Ela conta que constantemente vigia a escola do filho Matteo: “meu medo é que muito se fale sobre o autismo, sobre a inclusão, mas que seja muito mais por uma ‘obrigação’ do que por realmente querer fazer a inclusão acontecer”.
Já Andrea partilha que o Gabriel parou de estudar aos 10 anos, pois “há alguns anos era muito mais complicado do que atualmente, mas o problema continua até hoje como a falta de inclusão no ambiente escolar, a falta de preparo das escolas e até mesmo o caso da unidade negar matrículas para as famílias”.
Apesar da dificuldade da alfabetização, hoje, com 23 anos, Gabriel tem uma profissão: faz bottons e dedica-se inteiramente à produção desses adornos personalizados. “Durante a pandemia o Gabriel ficou sem acesso a terapias, e ao ganhar uma prensa de aniversário para fazer bottons se dedicou durante o tempo de isolamento social, e hoje faz encomendas até para grandes empresas”.
Em vídeo no Instagram, Andrea compartilhou um projeto que Gabriel participou: a confecção de bottons para o Hotel Gran Hyatt, que foi documentado e compartilhado nas redes como uma criativa iniciativa. Os itens estampavam os sorrisos dos funcionários que, por conta da pandemia, estavam escondidos atrás das máscaras.
“Todo o desenvolvimento do Gabriel, juntamente com as terapias e a inclusão familiar, provam que mesmo um autista nível 3, que não foi alfabetizado e tem dificuldades para escrever o próprio nome, pode sim ter uma profissão”.
Em busca do diagnóstico do autismo
Foi por volta de 1 ano e 7 meses que Stefanie percebeu o primeiro sinal do autismo no Matteo: a dificuldade na comunicação.
E foi somente após uma consulta com uma pediatra da Unidade Básica de Saúde do bairro, “todas as mães falavam que a profissional era muito boa, então eu quis conhecer, foi ela então que sinalizou que o repertório de palavras do Matteo estava muito baixo, pois ele deveria saber 10 palavrinhas e só havia aprendido apenas 5”.
Em seguida, ela foi em busca de intervenções com profissionais especialistas em TEA, e acompanhou o filho em uma sessão de fonoaudiologia, que sinalizou uma certa dificuldade na mastigação do filho, descartando a possibilidade do transtorno.
A psicologia também foi uma intervenção buscada: “ele tinha alguns comportamentos e apresentava sinais de autismo, por exemplo: comportamentos desafiadores, onde meu marido e eu não conseguimos administrar e entender”, explica. Mas apesar disso, a psicóloga descartou a possibilidade dele estar no espectro.
Ainda com a “pulga atrás da orelha”, como conta, Stefanie passou a observar com cuidado o comportamento do filho, e foi um alerta da escola que a fez conversar novamente com a psicóloga que acompanhava a criança.
“Aos 4 anos a psicóloga da escola orientou que a profissional que acompanhava Matteo fizesse uma visita durante as aulas. Ela percebeu que, apesar dele ser esperto e acompanhar o processo de aprendizagem, havia muita dificuldade na comunicação social com as outras crianças, e a partir daí ela percebeu que Matteo estava no espectro, e o encaminhamos para uma profissional especialista em TEA que o acompanha até hoje”.
Para Stefanie, foi um alívio receber o diagnóstico de autismo, pois se preocupava especialmente com o desenvolvimento do filho. Ela ainda compartilha 3 dicas que gostaria de ser recebido nesse processo de descoberta:
- Não importa quantas pessoas te digam que não, VOCÊ sabe;
- Não se contente com 1 ou 2 profissionais, procure por quantos você puder ou conseguir pagar;
- Jamais fale “ele não sabe, ele não consegue fazer isso” SEMPRE diga ele AINDA não sabe.
O relacionamento entre autistas e suas famílias
Receber o diagnóstico do autismo precisa ir além de apenas uma “classificação” em níveis de suporte, afinal, antes mesmo do espectro, existe uma pessoa que deseja explorar, aprender e fazer parte da família assim como qualquer outra pessoa típica.
Por isso, espaços de intervenções e terapias são compartilhados entre famílias, para compreender a essência da pessoa no espectro, mas, além disso, momentos de lazer podem (e devem) ser apreciados entre pessoa cuidadora e pessoa autista.
Andrea e Gabriel viajam sempre que podem, já foram até para fora do país em uma viagem de família.
Quanto à hipersensibilidade de Gabriel, Andrea conta que sempre oferece previsibilidade e faz combinados com o filho: “ele usa máscara durante todo o percurso de voo, pois é algo que aprendeu que precisa ser feito, ele precisa aprender a viver em sociedade e esse é meu papel”.
“Inclusão é saber que infelizmente o mundo não se adapta, ele tem que se adaptar ao mundo”.
Já Stefanie aproveita os momentos com Matteo para assistir TV, fazer tricô e cozinhar. “Vamos aos parques às vezes, andamos de bicicleta juntos às vezes também. Temos piadas internas que mais ninguém entende”, conta com alegria.
Conclusão
Sabemos que a jornada de recebimento de diagnóstico, passando por sentimentos como culpa e até mesmo aceitação pode ser longa e nem sempre linear.
Embora existam desafios e barreiras únicos, saiba que quanto mais você compreende o autismo, mais será capaz de entender e reconhecer a singularidade de sua criança.
Com as intervenções corretas, o apoio contínuo e a informação verdadeira, você e sua família conseguiram dar passos em direção a um futuro cheio de possibilidades e com muito mais autonomia e independência.
Se você também é uma pessoa cuidadora que acabou de receber o diagnóstico de autismo de seu filho, e quer saber mais sobre intervenções e informações sobre o TEA.
Além de buscar um relacionamento saudável com seu (sua) filho (a), e não se questionar “é minha culpa o autismo de minha criança?”, acesse nosso e-book desenvolvido especialmente para você que está no início da jornada. É só acessar no link abaixo: