Índice de Conteúdos
Habilidades sociais é um termo muito ouvido quando falamos em autismo. Isso porque esse conjunto de comportamentos é um dos maiores alvos trabalhados nas intervenções para o TEA.
Porém, muitas vezes pais e pessoas cuidadoras têm dificuldade de entender quais, de fato, são os comportamentos que englobam as habilidades sociais e quais as possíveis formas de desenvolvê-los e darem suporte no dia a dia da criança.
Vale lembrar que o treino das HS (como são conhecidas) pode ser benéfico para pessoas autistas de todas as idades — até mesmo aquelas que receberam o diagnóstico tardiamente, na vida adulta.
Pois a área da socialização é uma das mais afetadas no diagnóstico de autismo e permeia de formas diferentes todas as fases do desenvolvimento do indivíduo.
Neste texto, iremos explorar esse assunto e te ajudar a entender o que são habilidades sociais, qual a importância desses comportamentos e quais formas de atuação existem para o ensino dessas competências. Vamos lá!
O que são habilidades sociais?
As habilidades sociais são todas as competências que envolvem como a pessoa se conecta, interage e compreende o meio e pessoas que estão à sua volta. Assim, de forma prática, elas representam o conjunto de habilidades que podemos desenvolver para nos expressarmos e entendermos o que está ocorrendo no mundo e com outras pessoas.
Na área do autismo e da Análise do Comportamento, temos diferentes protocolos que definem as habilidades sociais e os comportamentos que compõem esse grupo de habilidades.
É importante que tudo isso seja conduzido com ética e respeito, pois não existe um jeito único ou “certo” de agir socialmente.
“O mais importante é que, ao se trabalhar o desenvolvimento dessa área, o foco esteja no ensino de formas de se expressar e compreender os outros, respeitando sempre a singularidade de cada pessoa com autismo. “ Afirma Alice Tufolo, conselheira clínica da Genial Care.
O artigo “Habilidades sociais e análise do comportamento: compatibilidades e dissensões conceitual-metodológicas”, traz a perspectiva do quanto populações específicas possuem necessidades e formas de se relacionar também específicas, e isso deve ser considerado.
Quando olhado em protocolos de desenvolvimento como Vineland, Vb-mapp, Socially Savvy, Abbles, podemos ver os comportamentos envolvidos nas habilidades sociais como:
- Contato visual
- Responder às interações iniciadas por outra pessoa
- Iniciar interações com outras pessoas
- Manutenção de uma conversa
- Reconhecer e nomear emoções em si e nos outros
- Resolução de conflitos interpessoais
- Participação em jogos ou atividades coletivas
Olhar com respeito e cuidado para essas categorias e definições é pensar em como oferecer ferramentas para a pessoa em cada uma dessas áreas, sem desrespeitar quem ela é.
Muitos autistas, por exemplo, relatam o desconforto que sentem ao olhar nos olhos de alguém, devido à quantidade de estímulos que isso representa.
“Há relatos de autistas que chegaram a dizer: ‘Você prefere que eu olhe nos seus olhos e não preste atenção em uma palavra do que você está dizendo, ou que eu não olhe para você, mas esteja atenta?’ Precisamos validar, enquanto profissionais, que não há somente uma forma certa de se relacionar.
“Nesse contexto, talvez o caminho não seja ensinar o contato visual, mas sim ajudar a pessoa a expressar o que sente ao olhar nos olhos.” — relata Alice Tufolo, conselheira clínica da Genial Care.
Habilidades sociais e autismo
Todas as crianças, sejam elas com desenvolvimento típico ou atípico, precisam aprender a se expressar e entender o ambiente que está para que se desenvolvam de maneira saudável.
Porém, em alguns casos, é necessário haver um suporte adicional para o desenvolvimento dessas habilidades — este é o caso das pessoas TEA.
O Transtorno do Espectro Autista é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades na comunicação e interação social, e pela presença de padrões de comportamentos restritos e repetitivos.
Dessa forma, um dos aspectos mais comuns apresentados por pessoas no espectro é um déficit, em maior ou menor grau, nesse conjunto de comportamentos sociais.
Esses déficits voltados à expressão e compreensão social, se não aprimorados, podem causar dificuldades em muitas áreas da vida, como, por exemplo: nas relações sociais, nas habilidades acadêmicas e na inclusão no mercado de trabalho.
O estudo “The challenge of adolescents and adults with Asperger syndrome”, indica que essas habilidades devem ser trabalhadas desde a infância e que, se esse suporte não ocorre, ao chegar à adolescência — momento marcado pela puberdade e, portanto, por mudanças hormonais — pode ser mais desafiador para a pessoa lidar com as situações sociais.
Apesar do artigo se referir ao Asperger, podemos estender essa reflexão para todo o nível do TEA, pois o texto é de 2000, e assim ainda não tinha havido a mudança no DSM para Aspeger estar incluso nesse leque maior do Transtorno do Espectro Autista.
Nesse período, as relações sociais se tornam mais complexas, deixando mais evidente essa lacuna — o que pode aumentar o isolamento e o sofrimento relacionado a isso.
Inclusive, há evidências de que se sentir excluído de um grupo, assim como sem recursos para participar deste, pode predizer alterações de humor e problemas de ansiedade.
Dessa forma, entender como trabalhar e desenvolveras habilidades sociais no autismo é importante tanto para profissionais quanto para o núcleo familiar, que atua em conjunto no desenvolvimento da criança no espectro, potencializando oportunidades de aprendizado.
Como trabalhar habilidades sociais com autismo?
Assim como para outros déficits e barreiras de aprendizado, a Análise do Comportamento Aplicada (ABA) é indicada para intervir nas dificuldades sociais de pessoas com TEA.
Isso porque as terapias ABA focam em promover o ensino de novas habilidades e ajudam a dar ferramentas para a pessoa lidar com momentos desafiadores da rotina, criando generalizações para diversos ambientes, como casa e escola, por exemplo.
Existem diversas formas de treinar/desenvolver esse conjunto de comportamentos. A seguir, confira estratégias possíveis para o ensino de habilidades sociais:
Abordagem personalizada
Primeiro, não importa qual a estratégia usada para treinar ou desenvolver as habilidades sociais — é fundamental que exista uma abordagem personalizada para crianças ou adultos no espectro do autismo.
Isso porque cada pessoa é única, e suas necessidades específicas devem ser consideradas no desenvolvimento de métodos e ações.
Intervenção precoce
A intervenção precoce desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de habilidades sociais.
Quanto mais cedo as estratégias forem implementadas, maiores são as chances de progresso significativo da criança, pois ela vai aprender desde cedo tanto a ler e entender o que está ocorrendo no ambiente dela quanto a conseguir expressar o que está sentindo e quais são os seus desejos.
E vale ressaltar que não é necessário um diagnóstico de autismo fechado para iniciar as intervenções precoces!
Histórias sociais
Histórias especialmente desenvolvidas para o ensino de alguma habilidade social específica são excelentes para desenvolver competências como interação, comunicação e trocas.
Por exemplo: Nas histórias sociais nós sempre escrevemos qual o conflito e o que é esperado que seja feito pela perspectiva da criança, com linguagem em primeira pessoa.
Intervenções mediadas por pares
O ensino de alguma habilidade por meio da interação da criança com TEA com seus pares é uma estratégia que faz parte do conjunto de práticas baseadas em evidências (PBE).
Com ela, os pares são participantes ativos em dar modelo, instrução e engajamento, promovendo diretamente as relações sociais das crianças com autismo, entre outras habilidades e objetivos individuais de aprendizagem.
O adulto organiza o contexto social (grupos de brincadeiras e contatos sociais) e, quando necessário, e os pares dão modelo do que e como fazer, conduzem pequenos suportes para a criança TEA sempre com a mediação do adulto que fornece suporte (sugestões e reforços) às crianças com autismo para que elas também interajam com seus pares.
Modelação ao vivo ou por vídeo
A modelação é outra PBE, focada na aquisição de comportamentos por meio da observação e reprodução de ações feitas por outra pessoa (ou organismo, no termo mais técnico).
No caso do desenvolvimento das habilidades sociais, uma pessoa servir de modelo para a realização de uma ação, seguida pela execução dessa ação pela própria pessoa, é uma prática de ensino bastante eficaz.
“Nós, adultos, também utilizamos essa estratégia quando chegamos a um ambiente e não sabemos como agir: observamos o que as outras pessoas estão fazendo e imitamos esse comportamento.” Afirma Alice Tufolo, Conselheira clínica da Genial Care.
Outra forma do uso do modelo é por vídeos de pessoas realizando algum dos comportamentos-alvo da intervenção. Eles são utilizados para a criança reproduzir aquele comportamento em um contexto semelhante.
Essa é uma forma prática de ampliar o repertório de uma criança no espectro, utilizando as interações sociais como forma de aprendizagem.
Como o ambiente escolar pode ajudar?
O ambiente escolar desempenha um papel fundamental no desenvolvimento global de crianças no espectro do autismo. A inclusão efetiva e a compreensão das necessidades individuais são essenciais para promover o sucesso acadêmico e social.
Escolas inclusivas, que adotam práticas voltadas às necessidades variadas dos alunos, proporcionam um ambiente propício para o desenvolvimento de habilidades sociais. Isso inclui salas de aula adaptadas, professores capacitados e colegas informados.
Scott Bellini et al. (2007), realizaram uma meta-análise sobre o ensino de habilidades sociais no ambiente escolar. Nos 55 estudos analisados, os autores concluem o quanto o ensino de habilidades sociais dentro do ambiente escolar é muito efetivo, pelo ensino ocorrer no ambiente que a habilidade ocorre.
De acordo com esses pesquisadores, profissionais que atuam em escolas devem:
Criar oportunidades para ensinar e reforçar habilidades sociais da maneira mais frequente possível. Especialmente as crianças com TEA precisam de treinos intensos e frequentes;
Implementar intervenções em ambientes naturais. Essa preocupação se dá porque algumas crianças no espectro podem ter dificuldade em generalizar habilidades de um contexto para outro;
Fazer um esforço sistemático e intensivo para combinar as estratégias de ensino ao tipo de déficit de habilidade da criança;
Manter canais de comunicação abertos entre professores, pais e profissionais de apoio, permitindo ajustes contínuos nas abordagens e garantindo que as necessidades do aluno sejam atendidas de maneira eficaz;
Coletar e registrar dados que atestem a fidelidade da intervenção feita com as crianças.
Aqui na Genial Care, realizamos sessões em dupla, focadas no desenvolvimento das habilidades sociais.
Elas ocorrem entre duas crianças, com a presença de dois terapeutas. É um momento em que as crianças têm a oportunidade de estar na presença de outra criança, enquanto os terapeutas oferecem suporte para que desenvolvam o que necessitam no campo das habilidades sociais.
Essas sessões acontecem em um ambiente com menos estímulos e maior controle do que, por exemplo, o ambiente escolar — o que permite que situações de conflito surjam de forma natural, mas com mais chances de resolução e da criança vivenciar uma experiência positiva.
Como a família pode ajudar?
A criança vive em diferentes ambientes sociais — como escola, família e espaços como o parque. Assim sendo, o que ela desenvolver e aprender em contextos mais estruturados de intervenção deve alcançar todos os ambientes em que a socialização, de fato, acontece.
Assim sendo, contextos, como em casa ou na escola, também precisam ser considerados no treino dessas habilidades.
Por isso, a família desempenha um papel central no apoio às habilidades sociais de pessoas autistas. Criar um ambiente familiar que incentive a comunicação e a interação é fundamental para o desenvolvimento infantil.
Se você cuida ou faz parte da vida de alguém com TEA, é importante que esteja preparado para colaborar nesse processo de ensino de novas habilidades — especialmente as sociais, que serão utilizadas no cotidiano.
Orientação parental
O treino parental é imprescindível: as pessoas envolvidas no cuidado da criança com TEA devem ser capacitadas por profissionais especializados para manejar e manter os comportamentos adquiridos por meio das intervenções fundamentadas na ciência do comportamento aplicada (ABA).
Essa orientação ajuda os pais a compreenderem as necessidades específicas de seus filhos — desde suas preferências de comunicação até suas dificuldades sensoriais e sociais.
Em parceria com a equipe multidisciplinar, pais e cuidadores recebem estratégias práticas e apoio emocional para lidar com os desafios únicos da criação de uma criança com autismo. Os benefícios desse suporte contínuo incluem:
- Aumento da autoconfiança e do envolvimento da família;
- Adaptação personalizada de estratégias para a criança;
- Maior autonomia e bem-estar no dia a dia.
Comunicação e compreensão
Desenvolver uma compreensão empática das experiências da pessoa autista é o primeiro passo. Isso implica reconhecer suas necessidades específicas e celebrar suas conquistas, todas as conquistas são grandes!
É essencial que não exista pressão ou cobrança excessiva para que a criança desenvolva determinada habilidade, garantindo que ela possa evoluir em seu próprio tempo e ritmo.
Além disso, estimular a comunicação aberta e clara é vital. Utilizar ferramentas de comunicação visual, quando apropriado, e estabelecer rotinas consistentes contribui significativamente para o desenvolvimento das habilidades sociais.
Estabeleça rotinas previsíveis
Muitas pessoas com Transtorno do Espectro Autista se apegam a hábitos rotineiros, que já fazem parte do seu cotidiano. Por isso, a rotina se torna um instrumento importante para lidar com os desafios do dia a dia.
A rotina é relevante pela previsibilidade que ela oferece. Quando bem definida e acordada entre a pessoa com TEA e seu núcleo de familiares e cuidadores, a rotina evita surpresas ou mudanças inesperadas que possam causar desorganização emocional.
Por isso, garantir uma rotina previsível — que ajude a reduzir imprevistos — é uma forma eficaz de prevenir crises e promover a regulação emocional tanto da pessoa no espectro quanto de sua família.
Apesar da indicação das rotinas, Alice Tufolo, conselheira clínica da Genial Care ressalta:
“No entanto, sabemos o quanto o ambiente natural é cheio de imprevisibilidades. Assim sendo, o uso de ferramentas como histórias sociais, videomodelagem e suportes para resolução de problemas é essencial e desejável para o desenvolvimento de qualquer ser humano. Nem tudo será possível prever, por isso precisamos contar com estratégias para lidar com situações de instabilidade.”
Conclusão
O desenvolvimento de habilidades sociais no autismo é um processo complexo, mas, com abordagens adequadas, é possível alcançar progresso significativo.
A combinação de estratégias personalizadas, intervenção precoce, terapias especializadas e ambientes inclusivos cria um cenário propício para o desenvolvimento dessas habilidades.
Seja na escola, em casa ou em ambientes terapêuticos, a colaboração entre pais, familiares, profissionais de saúde e educadores é fundamental.
Juntos, podemos construir um mundo mais inclusivo, onde as habilidades sociais de cada indivíduo — independentemente de estar ou não no espectro do autismo — sejam valorizadas e fortalecidas.
Se você quer saber mais sobre como atuar com crianças e jovens com TEA, leia nossos outros textos no blog e continue aprendendo sobre o assunto:
2 respostas para “Habilidades sociais no autismo: entenda o que são e conheça métodos para treiná-las”
É verdade Victor, noto que alguns demonstram muita preocupação sobre seu próprio desempenho social, por exemplo, o que influencia muito nessa dificuldade, você observa isso também?
[…] Muitos adolescentes autistas têm dificuldade em iniciar e manter conversas, especialmente em situações espontâneas ou em grupos grandes15. […]