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ABA robotiza? Sobre as intervenções baseadas na Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis, da sigla em inglês), você com certeza já ouviu muitas críticas a esta ciência, especialmente quanto à robotização de crianças.
Mas o que isso significa? Muitas pessoas, especialmente as autistas, defendem que terapias ABA tendem a robotizar o indivíduo, uma vez que traz uma rigidez nas respostas e ensina a pessoa com autismo a decorar respostas, não planejar a intervenção para outros espaços de convívio social da criança para além do “quarto da terapia” além de não respeitarem as vontades do indivíduo durante as sessões.
Se isso acontece, por que essa intervenção é tão recomendada por profissionais da saúde para pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)? Te explicamos mais neste artigo.
Introdução à ABA
Para começar, vamos explicar mais sobre a ABA. Essa ciência é a aplicação da ciência da Análise do Comportamento (AC) e pode ser usada por diferentes pessoas e ambientes, como, por exemplo, escolas e psicologia organizacional em empresas.
Basicamente, a ABA se propõe a descrever e analisar o comportamento do indivíduo para entender como e porquê eles ocorrem, quais influências ambientais estão ligadas a eles e, a partir daí, criar estratégias para promover o ensino de novas habilidades e redução de comportamentos considerados barreiras comportamentais que dificultam a aquisição de novos repertórios. Tudo isso respeitando as necessidades e motivações individuais de cada pessoa.
Quando falamos em pessoas com desenvolvimento atípico — como no caso do autismo —, as intervenções baseadas em ABA focam em ensinar novas habilidades e trabalhar comportamentos desafiadores e comunicação. Ela também pode ter o objetivo de diminuir comportamentos de risco, e aqui se enquadram:
- Comportamentos que podem causar autolesão ao indivíduo;
- Comportamentos que podem causar lesão às pessoas ao redor dele.
ABA robotiza?
Mas, afinal, será que a ABA robotiza? Como explicamos lá em cima, essa informação surge devido à mecanização nas respostas do indivíduo e ensinar a decorar respostas. No entanto, para entender a questão é preciso aprofundar um pouco mais no tema.
A ABA é formada por um conjunto de estratégias e técnicas que foram validadas cientificamente e que podem beneficiar inúmeras pessoas, como as que estão no espectro do autismo. No entanto, é preciso diferenciar a Análise do Comportamento Aplicada do Ensino por Tentativas Discretas (DTT, da sigla em inglês Discrete Trial Training) – também conhecido como “terapia de mesinha”.
Apesar do DTT ser uma das práticas da ABA, existem outras (que discutimos mais tarde neste texto) e, como um todo, as intervenções ABA são a aplicação da ciência e contam com estratégias de ensino que visam ensinar habilidades funcionais que promovem autonomia no dia a dia da criança.
Um exemplo disso é o fato de que o manual Evidence-Based Medicine, em sua última versão, identificou 28 práticas baseadas em evidências para o autismo, sendo que 23 delas fazem parte da ciência da ABA. Então, para responder à pergunta inicial: não, a ABA não robotiza! Mas alguns profissionais que atuam com a prática, sim.
Por que isso ocorre? Assim como muitas outras ciências, a Análise do Comportamento Aplicada tem uma parte teórica e uma parte prática. O que ocorre é que muitos profissionais acabam se baseando apenas na teoria, promovem a intervenção de maneira errada, o que tende a transformar as ações de quem a recebe em algo mecanizado e não individualizado.
Quais são as outras críticas à ABA?
A ideia de que a ABA robotiza não é a única das críticas existentes em relação à Análise do Comportamento Aplicada. Falamos sobre algumas delas a seguir:
ABA estruturada é pior que ABA naturalística
Por muitos anos, profissionais e pessoas da comunidade autista defendem a ideia de que a ABA não é uma terapia de mesinha. O que está correto. As intervenções baseadas nesta ciência não devem ser realizadas somente dentro da sala de terapia e o indivíduo não deve assumir papel passivo, ao contrário disso, a terapia deve ocorrer em diferentes ambientes e o indivíduo deve ser ativo durante todo processo de intervenção.
Por outro lado, as pessoas tendem a associar terapia de mesinha com a ABA estruturada. Assim, surge a ideia de que a ABA naturalista – ou ensino naturalístico – têm mais possibilidades de ocorrer em diferentes locais, além de seguir a liderança da pessoa com TEA ao deixar disponível (objetos e brinquedos preferidos) nas sessões.
Mas isso não é verdade. Assim como o ensino naturalístico, a ABA estruturada também pode ocorrer em outros lugares. A diferença é que essa intervenção é baseada no ensino por tentativas discretas, um exemplo do que muda nesse caso é:
- Na ABA estruturada (ensino por tentativas discretas): a terapeuta ou o terapeuta inicia a interação com a criança disponibilizando diferentes atividades que promovam contingências de ensino, por exemplo: ensino de nomeação, o profissional apresenta a imagem de um animal e solicita a resposta do aluno perguntando: “Que animal é esse?”
- Na ABA naturalista (ensino naturalístico): o aluno inicia a interação com objetos, brinquedos preferidos disponibilizados e arranjados no ambiente. Assim que o aluno interagir com algum dos itens o terapeuta cria oportunidades de ensino, por exemplo: se o aluno interagir com um carro, pode ser solicitado que ele nomeie esse objeto ou partes dele, tais como: roda, farol, porta,perguntando: “O que é isso?” ou “Qual meio de transporte é esse?”
Além disso, ambas as estratégias podem ser usadas juntas na mesma intervenção. Quem decide a melhor opção são os supervisores responsáveis pela elaboração do plano de ensino individualizado (PEI) do aluno, os profissionais que atendem a criança e também a análise feita sobre as habilidades aprendidas e aquelas que ela precisa desenvolver.
A ABA serve para fazer pessoas autistas parecerem menos autistas
Outra polêmica que envolve as terapias ABA é a ideia de que elas podem ser usadas com o objetivo de fazer pessoas autistas parecerem menos autistas. Ou seja, que elas buscam alcançar um padrão de “normalidade” para que o indivíduo se ajuste à sociedade.
Isso acontece, principalmente, quando falamos das estereotipias em pessoas autistas. Esses movimentos, que são comuns e fazem parte do quadro diagnóstico do TEA, são chamados por pessoas autistas de stims e muitas vezes servem como uma espécie de regulação emocional em momentos de tensão e ansiedade.
Sendo assim, parece bem óbvio que eles não são prejudiciais e não devem ser eliminados durante a intervenção. Ainda assim, alguns profissionais optam por reduzir ou retirar estereotipias, por entender que a característica pode causar estranhamento para as demais pessoas.
A diferença é a mesma da teoria de que a ABA robotiza. Existem profissionais e profissionais. E é preciso selecionar bem quais terão respeito por aquele indivíduo e suas necessidades, e que vão contribuir para sua maior qualidade de vida, sem retirar características que fazem parte de quem ela é.
Tem mais: profissionais capacitados usam estereotipias como alvo de intervenção apenas quando elas dificultam a aprendizagem de novos repertórios, mas mesmo assim, nunca consideram “acabar com elas”.
Além disso, todos nós — pessoas neurotípicas e atípicas — apresentamos estereotipias que nos ajudam na regulação emocional. Um exemplo disso é bater os pés no chão quando estamos nervosos. Já dizem em Atypical: ninguém é normal.
Terapias ABA sobrecarregam a criança e causam crises de meltdown
É muito comum que a família receba um laudo que recomenda de 20 a 40 horas de terapia baseada em ABA durante a semana. E obviamente se formos contabilizar isso é muito, principalmente para uma criança lidar ao longo da semana.
É por isso que, mesmo após o laudo, profissionais clínicos que fazem parte da equipe que vai atender a criança precisam fazer uma avaliação de caso. Ou seja, entender quem é aquele indivíduo, quais habilidades ele já desenvolveu e quais precisa aprender, além de conhecer mais sobre seu núcleo familiar para, então, fazer uma recomendação de horas de intervenção semanal.
Além disso, as estimulações por meio das estratégias da ABA podem ocorrer de maneira direta (durante a intervenção) e indireta (ao longo do dia a dia da criança e em diferentes ambientes, como em casa e na escola).
E se profissionais clínicos e familiares notam, antes ou durante a intervenção, que a criança está cansada, não precisamos nem dizer, né? É preciso desmarcar o atendimento ou encerrar a sessão e deixar que ela descanse para continuarem num outro dia. Afinal de contas, tudo isso faz parte do processo de respeitá-la.
Como escolher uma intervenção ABA de qualidade?
Por fim, o que deixamos claro é que a ciência ABA por si só não pode robotizar ou causar prejuízos às pessoas, sejam elas autistas ou não. Mas existem profissionais incapacitados que podem, sim, fazê-lo. Por isso, que tal conhecer algumas boas práticas para garantir que a equipe que vai atender sua criança seja a melhor possível e aplique uma intervenção de qualidade?
- Procure saber a certificação que os profissionais têm: ainda não existe uma certificação necessária para profissionais que atuam com ABA no Brasil. Mas existe a acreditação da ABPMC (Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental), que é uma espécie de selo de qualidade para profissionais com qualificação de nível superior que trabalham com o conhecimento científico e filosófico de Análise do Comportamento e do Behaviorismo Radical, e que estejam de acordo com os critérios e os procedimentos de trabalho dessas áreas.
- Preze pelo ensino superior: ainda sem uma certificação específica, profissionais que atuam com ABA precisam ter ensino superior. Isso é importante porque muitos acabam se sentindo aptos a atuar por terem feito cursos livres, com baixa carga horária.
- Busque profissionais que respeitam a criança e sua família: seja quem for, esses profissionais terão um impacto grande na vida da criança e da sua família. Por isso, é essencial que eles saibam avaliar o que vocês precisam e, principalmente, respeitem as singularidades da criança e sua família.
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