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O capacitismo, infelizmente, ainda é uma realidade presente em muitos aspectos de nossa sociedade, inclusive na área da saúde e da terapia. Dessa forma, é importante que profissionais clínicos saibam sobre anticapacitismo durante a terapia, podendo ajudar e acolher pais e pessoas que sofrem com isso.
Dessa forma, no contexto terapêutico, é essencial reconhecer e questionar as práticas que podem perpetuar atitudes capacitistas, buscando constantemente maneiras de promover uma abordagem mais inclusiva e respeitosa para todos.
Ao mesmo tempo, sabemos que em nossa prática profissional nem sempre é assim. Nesse artigo, vamos falar um pouco sobre como identificar e evitar um cenário capacitista na intervenção para crianças autistas, aprendendo mais sobre anticapacitismo, na prática. Leia para aprender!
Anticapacitismo na terapia: cuidados relacionados à intervenção e a sessão
Em um mundo ideal, a terapia seria um espaço seguro e acolhedor para todas as pessoas, independentemente de sua condição ou deficiência. No entanto, a realidade nem sempre reflete esse ideal, e muitos terapeutas podem inadvertidamente perpetuar atitudes capacitistas em seu trabalho.
O capacitismo refere-se a um conjunto de preconceitos e estereótipos profundamente enraizados que desvalorizam e discriminam pessoas com deficiências.
É importante reconhecer que o capacitismo no ambiente terapêutico, pode se manifestar de várias formas, desde a linguagem utilizada até as práticas de tratamento adotadas.
Ao questionar essas práticas e buscar mudanças, os terapeutas podem desempenhar um papel fundamental na promoção da inclusão e da igualdade na terapia, ampliando o anticapacitismo para todos os envolvidos no processo.
Importante lembrar: Nesse artigo, daremos enfoque sobre condutas em sessões terapêuticas na infância, mas essas dicas, estratégias e informações não se aplicam apenas aos pequenos. As posturas anticapacitistas se aplicam a qualquer pessoa em qualquer fase do desenvolvimento.
Negar alternativas à comunicação é capacitista
Uma das manifestações do capacitismo na terapia é a negação de alternativas à comunicação.
Muitas vezes, os terapeutas podem encontrar dificuldades para lidar com as tentativas de comunicação da criança, principalmente quando ela expressa o desejo de algo que não está disponível na sessão.
Por exemplo, uma criança usando sistemas de Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) pode estar pedindo para ir à piscina durante a sessão. O terapeuta pode então explicar que não há possibilidade de ir à piscina naquele momento.
No entanto, é importante refletir sobre as ações tomadas nessa situação, ao negar o pedido de ir à piscina:
- O terapeuta está proporcionando previsibilidade à criança sobre quando ela poderá ir à piscina em sua rotina visual?
- Se não há possibilidade alguma dessa criança ir a uma piscina, o que o terapeuta faz? Ignora o pedido?
- E quando a criança continua pedindo para ir à piscina usando a CAA, o terapeuta esconde ou torna inacessível a CAA dela para continuar a sessão sem as interrupções?
Esconder ou tornar inacessíveis as possibilidades de comunicação da criança é negar sua capacidade de se expressar, o que equivale a silenciá-la.
Este tipo de comportamento pode ser considerado um ato capacitista, que vai contra o princípio fundamental de respeitar e valorizar a autonomia e a expressão de cada indivíduo.
Treinos de espera descontextualizados e rígidos também são capacitistas
Quando estamos na recepção de uma consulta médica, esperando nossa vez, geralmente ocupamos o tempo mexendo no celular, lendo um livro ou ouvindo música, certo?
Afinal, estamos nos comportando o tempo todo, ainda que seja em momentos de espera. Então, por que esperar por algo com as mãos paradas e sentados quietos, é frequentemente esperado das crianças com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)?
Essa abordagem desconsidera a diversidade de comportamentos e necessidades individuais dessas crianças, sendo assim uma atitude capacitista na intervenção. Algumas reflexões sobre essa condução:
- Qual é a sua expectativa em relação a como a criança deve estar enquanto espera?
- Quanto tempo ela realmente precisa esperar por determinados itens?
- Como planejamos implementar esse “ensino de espera“ para que essa habilidade faça sentido no mundo real da criança e da família?
- Que outras coisas essa criança pode fazer enquanto espera?
- Qual o sentido da criança precisar ficar parada e imóvel enquanto espera por algo?
- Isso é esperado de outras crianças?
Capacitismo também é falar sobre a criança com os pais, sem considerar a presença dela
Considerando o cenário de uma sessão de intervenção direta com a criança, comunicar-se eficazmente com os pais é fundamental. Isso envolve a criação de um ambiente acolhedor e empático, onde os pais se sintam ouvidos e respeitados.
Por outro lado, quando se trata de abordar dúvidas e preocupações sensíveis em relação à criança, esse momento não é ideal!
Aqui, é importante destacar uma consideração importante: a presença da criança durante essas conversas.
Embora a criança possa apresentar prejuízo na comunicação, isso não significa que ela não esteja entendendo o que está sendo discutido sobre ela. Portanto, falar sobre ela com os pais, desconsiderando sua presença, pode ser desrespeitoso e uma atitude capacitista.
Os terapeutas devem estar atentos a essa questão, considerando cuidadosamente a melhor forma de abordar tópicos sensíveis na presença da criança.
Quando for imprescindível falar sobre ela em sua presença, isso deve envolver a escolha de palavras com cuidado e a garantia de que a criança seja incluída na conversa de maneira apropriada ao seu nível de compreensão.
Anticapacitismo nos Stims e Estereotipias
Nos tornarmos anticapacitistas com crianças com autismo também abrange a compreensão das estereotipias e stims. A preferência de terminologia pode variar entre indivíduos com TEA.
No entanto, é importante entender a diferença entre os termos “stims” e “estereotipias” e respeitar as preferências individuais:
- Stims: Este termo é uma abreviação de “comportamentos autoestimulatórios”. Stims são comportamentos repetitivos que algumas pessoas com TEA usam para autorregulação sensorial ou emocional. Esses comportamentos podem incluir balançar as mãos, bater os dedos, balançar o corpo, entre outros. Para muitos autistas, os stims são uma forma legítima de expressar suas necessidades, aliviar o estresse ou se concentrar. Alguns autistas preferem usar o termo “stims” para se referir a esses comportamentos, pois é uma maneira mais neutra e positiva de descrevê-los.
- Estereotipias: Este termo se refere a padrões repetitivos, rígidos e aparentemente sem função de comportamento. As estereotipias podem incluir movimentos repetitivos, como balançar a cabeça de um lado para o outro, bater as mãos ou fazer movimentos faciais. No contexto clínico, o termo “estereotipia” pode ser usado para descrever comportamentos repetitivos que podem ser prejudiciais ou interferir nas atividades diárias. No entanto, muitas pessoas com autismo podem não gostar de usar esse termo para descrever seus comportamentos, pois ele pode ser associado a uma visão patologizante.
A melhor prática ao se referir a esses comportamentos é perguntar ao próprio indivíduo qual termo ele prefere. Algumas pessoas autistas não se importam com os termos e podem usar “stims” ou “estereotipias” indistintamente.
Sabemos que nem sempre será possível perguntar à criança como ela prefere, mas o importante é respeita-la e reconhecer que esses comportamentos desempenham funções importantes para ela, independentemente de como são descritos.
Como ser anticapacitista em relação as stims ou estereotipias?
Embora os stims e estereotipias possam, por vezes, ser objeto de preocupação por parte dos cuidadores, é crucial reconhecer que esses comportamentos desempenham um papel significativo no autismo e na autorregulação da criança.
Bloquear ou tentar eliminar esses comportamentos repetitivos é capacitista, pois pode causar danos à criança ao desrespeitar sua maneira única de lidar com o mundo e de se autorregular.
Muitas vezes, os stims e estereotipias ajudam o indivíduo a reduzir a ansiedade, a lidar com a sobrecarga sensorial e a se concentrar. Tentar suprimir esses comportamentos pode resultar em aumento do estresse e do desconforto.
Em vez de bloquear os stims e estereotipias, uma abordagem anticapacitista envolve compreender a função desses comportamentos e, quando necessário, redirecioná-los de forma respeitosa.
Isso pode incluir a introdução de estratégias alternativas para a autorregulação da criança, bem como a criação de ambientes que minimizem a necessidade de emitir essa resposta de maneira excessiva.
É importante lembrar que cada criança é única, e o que funciona para uma pode não ser adequado para outra.
Portanto, a ética na terapia exige uma abordagem individualizada que respeite e valorize a autonomia da criança, reconhecendo que os stims e estereotipias fazem parte de quem ela é.
O objetivo principal é garantir o bem-estar da criança, promovendo uma compreensão mais profunda de seus comportamentos e ajudando-a a desenvolver estratégias de autorregulação saudáveis e eficazes.
Conclusão
Quando os preconceitos e estereótipos entram em jogo, é mais provável que as vozes das pessoas com autismo sejam desconsideradas ou mal interpretadas, o que pode ter sérias consequências para seu desenvolvimento e bem-estar.
Portanto, combater o capacitismo não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma parte essencial da promoção de uma comunicação inclusiva e respeitosa com as crianças e isso pode e deve começar nas nossas sessões.
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