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No último domingo (28 de agosto), o filósofo e escritor da Folha de S.Paulo Luiz Felipe Pondé, publicou um artigo de opinião sobre “o diagnóstico de autismo estar se transformando em uma tendência no estilo hype” e gerou uma polêmica com suas colocações sobre pessoas no espectro.
Usando o sucesso da série sul-coreana da Netflix “Uma Advogada Extraordinária”, ele questionou sobre o aumento do autismo entre pessoas e a valorização desse termo para o mercado atual.
O colunista contou que ouviu a frase “o autismo tá bombando” de um profissional e que agora: “todo mundo quer ter um filho autista.” Após a publicação da matéria, ele recebeu críticas dos internautas e gerou uma discussão sobre o tema.
O economista Gustavo Ioschpe disse em seu Twitter que Pondé “é um colunista eternamente adolescente, que se regozija ao fazer ofensas pueris. Escreve sempre a mesma coisa, e escreve mal. É um mistério pra mim por que o jornal o mantém”.
Já a pedagoga Luciana Viegas, também em seu Twitter, fez cobranças à Folha de S.Paulo pela publicação do texto do colunista e disse que “Achar que tem direito de falar de autismo e da realidade do autismo por que assistiu UMA SÉRIE de FICÇÃO que retrata a vivência do autismo, é irresponsável. Um intelectual como você, Pondé deveria se certificar sobre os temas que escreve e não levar desinformação”.
O que Luiz Felipe Pondé quer dizer com o autismo estar no “hype”?
Luiz Felipe Pondé afirma que todas as tendências de comportamento tem vocação para se tornar um commodity (uma mercadoria de troca dentro da economia) e que nesse ponto, o autismo está se tornando uma moda de comportamento hype.
Estar no hype quer dizer que algo está exagerado e sendo usado como estratégia de marketing para enfatizar determinado assunto. Assim, com cada vez mais conteúdos produzidos sobre autismo, como séries, filmes e livros feitos por, para ou com pessoas autistas, esse é um assunto que está na moda e sendo comentado por todo mundo.
Além disso, no texto ele usa o termo “novo autismo” como um comportamento que nasceu da diversidade psíquica, algo vítima de um drama ambiental familiar gravíssimo.
Nesse ponto, ele defende a ideia da mãe-geladeira (teoria de Leo Kanner) que afirma que a falta de amor e carinho maternal é a causa do TEA. Em seu texto ele chega até a questionar: “Qual o pecado dessa teoria?”.
O jornalista Tiago Abreu — criador do podcast Introvertendo — também argumentou e lamentou a colocação dessa teoria: “O artigo publicado pelo Pondé hoje na Folha sobre autismo poderia ter ido na direção de falar sobre a comoditização do autismo, que é um tema já bem conhecido e estudado – mas prefere abraçar a ideia de mãe-geladeira que já foi abandonada há pelo menos 50 anos”.
É importante lembrar que esse é um dos grandes mitos sobre autismo, e que não tem nenhuma evidência comprovada. Vale enfatizar que os pais não têm culpa nenhuma sobre o autismo de seus filhos e que o momento de descoberta de um diagnóstico pode gerar muitas emoções no núcleo familiar.
Posicionamento da Folha de S.Paulo
No sábado, 3 de setembro, o jornal Folha de S.Paulo fez uma réplica sobre o artigo de Pondé. Escrito por Bruno Andraus Filardi (Oncogeneticista do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina da USP) e José Galluci Neto (Psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP) o novo texto fala sobre como Luiz Felipe Pondé trouxe equívocos sobre o distúrbio e teorias sem evidências.
Na réplica, os profissionais da saúde transcorrem sobre as causas do autismo, principalmente relacionadas a genética e epigenética, que hoje são as principais causas do TEA, sendo uma das condições clínicas mais associadas à hereditariedade.
Com isso, eles falam que o colunista cometeu um equívoco ao relacionar a teoria da mãe geladeira com o desenvolvimento de crianças autistas. “Interpretações dessa natureza reforçam o estigma sobre a família e a criança”.
O texto também cita que o “estereótipo de autista extremamente inteligente, funcional e que serve ao mercado é pouco representativo” para o que vemos hoje na nossa sociedade, até mesmo porque a Síndrome de Asperger — que se assemelha ao que Pondé aponta— não é mais uma categoria diagnóstica.
Para fechar, a coluna do jornal traz a seguinte frase: “É fundamental não atribuir qualquer culpa às mães que tanto se esforçam, se fazem presentes e lutam pela inclusão dos seus filhos com TEA.”
É possível ler a Réplica: “Estereótipos sobre autismo mencionados por Pondé não fazem sentido”, clicando aqui.
O autismo ganhando cada vez mais espaço
A problemática de colocar o autismo como uma tendência que está “em alta” pode atrapalhar os diagnósticos na vida adulta. Muitas famílias têm dificuldade em aceitar esse diagnóstico quando não existem discussões e democratização da informação sobre o transtorno.
Por isso, é tão importante que datas como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo e Dia do Orgulho Autista existam e cada vez mais haja espaço na sociedade para trazer visibilidade para a causa e a inclusão de pessoas autistas.
Quanto mais falamos sobre um assunto e trazemos isso para o conhecimento de todos, mais fácil fica para pessoas no espectro se sentirem confortáveis em compartilhar suas experiências e maior a representatividade disso em nosso meio. Além disso, isso é uma ótima forma de ampliar espaços ocupados por pessoas no espectro, como no mercado de trabalho, por exemplo.
Não conseguimos criar uma possibilidade de desenvolvimento completo desses indivíduos sem que exista conversa e mudanças na sociedade. Precisamos criar espaços para que pessoas com TEA se sintam confortáveis, além de formar profissionais capacitados para atuar com indivíduos neurodiversos.
Dessa forma, é fundamental, cada vez mais, colocarmos o tema em pauta para que pessoas com TEA, e até mesmo suas famílias, iniciem seu processo de entendimento nesse caminho.
O autismo é caracterizado justamente pelas dificuldades na comunicação e interação, então, quando cada vez mais pessoas dentro do espectro compartilharem suas experiências e vivências únicas, será mais comum para que a nossa sociedade entenda e conheça ambientes ocupados por autistas.