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Você já se perguntou como é ver o mundo através dos olhos de alguém com autismo não-vocal? Ido Kedar, um autor inspirador e uma voz excepcional na comunidade autista, nos leva a uma jornada única por sua vida e experiências no livro “Ido in Autismland”.
Nesta obra, ele não apenas revela os desafios enfrentados, mas também destaca a importância das intervenções terapêuticas na infância que foram anticapacitistas e o respeitaram durante o processo.
Quem é Ido Kedar, autor do livro “Ido in Autismland”
Ido Kedar é o autor do livro “Ido in Autismland” um dos livros mais poderosos sobre o autismo. Ido é extraordinário porque muda a forma como pensamos sobre o autismo.
Ele conta que é uma pessoa autista com uma mensagem. “Passei a primeira metade da minha vida completamente preso em silêncio. O segundo – em me tornar uma alma livre. Eu tive que lutar para conseguir uma educação”.
Se comunicando através de um tablet ou um quadro de letras, Ido escreveu esse livro como um diário, contando a história dos seus sintomas, educação e jornada de comunicação.
Ele perturba as nossas noções equivocadas de que a falta de fala equivale à falta de inteligência; que as pessoas com autismo são incapazes de expressar ou reconhecer emoções; e que todos os alunos que não falam vocalmente devam frequentar salas de aula especiais, sem oportunidade de inclusão.
Se você é um profissional na área do autismo, convido você a pensar fora da caixa sobre o que o “conhecimento convencional” sobre o autismo nos diz, conhecendo a perspectiva do Ido.
Sem dúvida, isso exige coragem. Significa reconhecer que não sabemos tudo e que precisamos estar sempre sob constante aprendizagem sobre o autismo.
No livro “Ido in Autismland”, ele conta como um autista gostaria de ter sido tratado pelos profissionais em sua intervenção na infância
Em alguns dos trechos do livro, Kedar, já adolescente, se dirige diretamente aos “especialistas do autismo” que têm uma postura de cegueira clínica, permanecendo colados cegamente em suas teorias, que passam a ser doutrinas, já que excluem o que a própria pessoa autista tem a dizer.
Ele relata a dor de se sentir um objeto de estudo quando os especialistas falavam dele como se não tivesse compreensão do que diziam, mas, sem recursos de Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) e estratégias respeitosas e eficazes, ele era incapaz de contar quão bem escutava e compreendia tudo o que estava sendo dito.
Portanto, vamos aprender com o que ele tem a dizer. Abaixo compartilhamos 3 trechos de seu livro sobre como ele gostaria de ter sido tratado pelos profissionais em sua intervenção.
1. “Perguntaram-me como eu teria preferido ter sido ensinado em meus primeiros anos. Se eu pudesse educar os especialistas, a primeira coisa que recomendaria seria conversar normalmente com crianças autistas. Chega de “Vai carro”, “Fecha porta”, “Mãos quietas” ou algo parecido. É estúpido falar assim. Alguns usavam tons para tornar as palavras mais distintas ou falavam devagar ou em sons excessivamente enunciados. Eles pareciam tão bobos que muitas vezes revirei os olhos por dentro. Então essa é minha primeira sugestão.”
2. “Em seguida, eu daria aulas para crianças autistas, para que aprendessem as mesmas coisas que crianças normais. Você não pode imaginar como é chato ser treinado repetidamente em tarefas de bebê que você conhece, mas não consegue demonstrar com o seu corpo. Os especialistas precisam ensinar, não apenas treinar. Eu adoro livros e teria gostado de algumas histórias apropriadas à idade, não de livros ilustrados para bebês repetidamente. Então, mesmo que pensem que a criança não entende, não devem negar-lhes atividades interessantes.”
3. “A fonoaudiologia é importante, então eu recomendo; ainda assim, não é suficiente para pessoas autistas ‘não-verbais’. Elas também devem ter comunicação. Negar a comunicação é um crime contra a humanidade. É cruel no resultado, se não na intenção. Fui ajudado pelas técnicas de CAA. Outros também podem ser ajudados por essa técnica ou por outros métodos, mas negar voz às pessoas autistas não-verbais é errado. PECS (Sistema de Comunicação por Troca de Imagens) não é suficiente. É tão básico.”
Falar sobre a pessoa autista, sem considerar a presença e o entendimento dela
No caso de Ido, ele descreveu como era terrível ouvir especialistas falarem sobre ele, sem, entretanto, conseguir expressar sua perspectiva.
Esse aspecto da experiência de Ido ilustra como o capacitismo pode influenciar a percepção e a comunicação com pessoas autistas.
Aqui vale acessarmos mais um trecho poderoso em que Ido compartilhou sua experiência sobre isso:
“Muitas vezes, sinto-me deprimido por minha incapacidade de falar. Eu falo em minha mente, mas minha mente não fala com minha boca. É frustrante, mesmo que agora eu consiga me comunicar apontando. Antes disso, era como estar em confinamento solitário. Era terrível ter especialistas falando sobre mim e ouvi-los errarem em suas observações e interpretações, mas não ser capaz de dizer isso a eles. Eles frequentemente interpretavam meu comportamento de maneira errada. Por exemplo, lembro-me de que, durante minhas sessões de ABA, às vezes eu corria até a janela com vista para o estacionamento na tentativa de mostrar que queria ir para o carro. O que eles diziam era que eu estava hiperativo e com hiperfoco por carros. Eles não entendiam como uma pessoa não-verbal poderia estar se comunicando.”
Os Stims de Ido e sua autorregulação
Ido relatou como, quando não conseguia se comunicar verbalmente, seus stims eram uma das poucas maneiras de expressar suas necessidades e emoções.
Ele destacou a importância de respeitar esses comportamentos como formas legítimas de comunicação e autorregulação.
“Bater as mãos é meu estímulo mais incorporado. Comecei jovem. Hoje ainda faço isso sempre que sinto uma emoção forte. É como se houvesse uma rota direta das minhas emoções neurologicamente para as minhas mãos. Não faz sentido isso. Eu também gosto da sensação disso. É como uma liberação de estresse sensorial. Contê-lo é como me forçar a não vomitar; o desejo é muito forte. Eu não acho que tentaria segurar as coisas emocionalmente apenas para parar de bater porque eu transbordaria por dentro”. (…) Principalmente é a reação dos outros às minhas agitações que é difícil de lidar. É doloroso ver as pessoas reagirem como se eu fosse tão estranho para elas. Eu pararia se tivesse outra maneira de liberar minha tensão. Não é tão agradável que todos percebam minhas emoções, mesmo que eu queira manter meus pensamentos para mim mesmo. Muitas vezes eles acham que estou desconfortável fisicamente e realmente não é nada disso. Então eu fico mais agitado de irritação. A maioria dos “especialistas” nunca acertam (…) seria muito bom se eles percebessem como nossas mentes estão intactas”.
O que podemos aprender com ele no livro “Ido in Autismland”?
O livro Ido in Autismland é um convite a todos nós para que possamos conhecer melhor o autismo e, assim, nos tornarmos melhores clínicos, pais e cuidadores.
Ele nos ensina que pessoas com autismo não-vocal não são desprovidas de sentimentos e pensamentos, e nos conta, através de um relato de primeira mão.
Também fala como podemos aprimorar nosso cuidado para garantir que estamos criando as condições necessárias para que as pessoas com autismo possam, além de desenvolver habilidades, fazê-lo em um ambiente gentil e acolhedor!
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