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Infelizmente ainda encontramos uma escassez de informações precisas, abrangentes e acessíveis sobre a realidade das pessoas autistas em nosso próprio país.
Em 2022 foi a primeira vez que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), principal provedor de informações geográficas e estatísticas do Brasil, adicionou em seu questionário perguntas sobre pessoas autistas.
Isso mostra que ainda não conhecemos, de fato, a população autista do nosso Brasil, e ficamos sem dados reais para transformar o cenário do autismo. Pensando nisso, a Genial Care realizou em 2023 o estudo “Retratos do autismo no Brasil em 2023: um estudo Genial Care e Tismoo.me”.
Neste artigo, você vai conhecer os resultados desse estudo e entender a importância de conhecermos melhor as pessoas autistas do nosso país. Acompanhe!
Conheça o estudo “Retratos do Autismo no Brasil e no mundo: Impactos na saúde suplementar a curto prazo”
O estudo “Retratos do Autismo no Brasil em 2023” foi realizado entre 01 e 30 de setembro, com o objetivo de colher dados relevantes sobre as pessoas autistas e suas famílias.
Com 2.247 resposta no total, conseguimos uma amostra válida de acordo com a Calculadora de Tamanho de Amostra, considerando uma estimativa de 4 milhões de pessoas com TEA no Brasil — estimativa feita com base em dados do CDC que dizem que 1 em cada 36 pessoas está no espectro do autismo nos Estados Unidos (2023) — com grau de confiança de 99% e margem de erro de 3%.
Com isso, criamos um painel de dados da pesquisa inédita sobre o aumento dos diagnósticos de autismo e como existe uma repercussão global que afeta os custos e qualidade dos serviços na saúde suplementar para pessoas com TEA e suas famílias.
Sobre a Genial Care e a Tismoo.me
A Genial Care é uma rede de cuidado de saúde atípica referência na América Latina. Especializada no cuidado e desenvolvimento de crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e suas famílias.
Unimos modelos terapêuticos avançados, suporte educacional e tecnologia própria para maximizar a qualidade de vida e o bem-estar de todas as pessoas envolvidas no processo de intervenção. Nosso propósito é garantir que toda criança atinja o seu máximo potencial.
A Tismoo.me é uma empresa de tecnologia e saúde, especializada em autismo, com a missão de melhorar a qualidade de vida da pessoa autista em todos os pilares da sua existência.
Informações demográficas do estudo
Nossa amostra conta com maior representatividade entre pessoas cuidadores. Além disso, a maioria dos respondentes são pessoas casadas, com renda mensal entre R$3 mil e R$5 mil e residentes no estado de São Paulo. Sendo assim, podemos dizer que o perfil do público do estudo é:
- Pessoas cuidadoras (73%);
- Casados (55%);
- Com pós-graduação completa (45%);
- Faixa etária entre 35 e 44 anos (42%);
- Residentes no estado de São Paulo (35%);
- Com renda mensal familiar entre R$3 mil e R$5 mil (31%).
Além disso, 64% dos respondentes afirmaram não terem tido contato prévio com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) antes do diagnóstico da criança ou do próprio diagnóstico.
Além disso, segundo o estudo, 1 em cada 4 pessoas cuidadoras está, também, no espectro do autismo, o que pode ser ainda mais desafiador na rotina.
Vale ressaltar que apesar desta amostra não representar a maior parte da população brasileira em dados como estado civil e educação, quando falamos em renda média, estamos mais próximos da renda familiar média brasileira, que é de R$2.808 — dados do IBGE 2022.
Dados das pessoas cuidadoras que responderam o estudo
O estudo “Retratos do autismo no Brasil em 2023: um estudo Genial Care e Tismoo.me” teve como resultado 3 principais dados das pessoas cuidadoras, mostrando suas principais dificuldades na hora de cuidar de crianças atípicas, as prioridades no desenvolvimento infantil e habilidades identificadas ao longo da jornada.
Principais dificuldades
Em comparação com o estudo “Cuidando de quem cuida” — primeiro estudo realizado pela Genial Care em 2020 para construir um panorama sobre as famílias e o autismo no Brasil — as dificuldades dos cuidadores ainda permanecem praticamente as mesmas.
O diferencial desses novos dados é que, na nova amostra, temos mais pessoas que concordam ou concordam totalmente com a afirmativa “Sei o que fazer e como agir em momentos desafiadores com a criança” (73%), que havia sido nossa segunda principal dificuldade anteriormente:
- Sentir segurança quando pensa no futuro a longo prazo da criança – 79%;
- Dificuldades financeiras para arcar com os custos do tratamento – 73%;
- Tempo para descanso e para cuidar de si mesmo – 68%.
Com isso, conseguimos entender que a falta de segurança em relação ao futuro é o que mais preocupa pessoas cuidadoras, criando barreiras e incertezas sobre uma vida independente e autônoma para criança.
Prioridades no desenvolvimento da criança
Apesar de termos agora mais cuidadores que afirmam saber como agir em momentos desafiadores com a criança, a maioria entende que a prioridade para o desenvolvimento é que a criança consiga gerenciar momentos desafiadores e apresentar menos crises.
- Gerenciar momentos desafiadores sem crises (regular suas emoções) – 32%;
- Se comunicar (seja de forma verbal ou com gestos, figuras, sinais) – 28%;
- Apresentar habilidade motora para realizar atividades pessoais (comer, vestir-se, limpar-se, tomar banho, escovar os dentes, desfralde) – 23%.
Habilidades identificadas pelas pessoas cuidadoras
Sobre as habilidades identificadas pelos cuidadores, questionamos uma série de aprendizados da criança que constam nos marcos de desenvolvimento infantil (como bater palmas, reagir a sons/estímulos etc), a maioria relata que a criança autista as apresenta “às vezes”.
A única exceção é a habilidade de brincar de forma lúdica (abstrata), que 30% relata observar raramente.
Dados das pessoas autistas que responderam o estudo
Nosso estudo teve uma amostra representativa de 13,8% de pessoas autistas. Dentro da amostra, o perfil com maior número de respostas é:
- Se identifica como gênero feminino: 203 (65%);
- Trabalha em período integral: 143 (46%);
- Faixa etária entre 25 e 34 anos: 101 (33%).
Outro dado relevante é que, dentro da amostra de pessoas autistas, 24,2% são, também, pessoas cuidadoras. O que significa que estão no espectro e também são responsáveis por uma criança com o diagnóstico.
Além disso, ter pessoas autistas que também são cuidadores reforça a questão entre genética e TEA, uma vez que fatores genéticos têm um papel fundamental no desenvolvimento do transtorno.
Isso porque, as causas do autismo ainda não foram totalmente esclarecidas, mas muitos estudos e pesquisas são realizados para identificar o que está relacionado ao desenvolvimento deste transtorno.
Saúde física e mental
No que diz respeito à saúde física, entre as 13 condições listadas, as que mais aparecem entre os respondentes são:
- Questões Gastrointestinais (refluxo, gases, gastrite, constipação, diarreia de repetição)> 305 (25%);
- Doença respiratórias: 186 (15%);
- Obesidade: 104 (6%).
Esses dados estão de acordo com várias pesquisas e revisões sistêmicas que investigam as relações entre questões gastrointestinais em crianças com diagnóstico de autismo.
De acordo com o Instituto NeuroConecta, crianças autistas têm 3,5 vezes mais chances de desenvolver problemas gastrointestinais do que crianças consideradas neurotípicas.
Um estudo publicado em 2015 no Pediatric Health, Medicine and Therapeutics, traz os seguintes dados:
A manifestação clínica de doenças do trato digestivo em crianças com TEA pode ser diferente em comparação com crianças com desenvolvimento típico, e o diagnóstico de um distúrbio gastrointestinal em crianças pode ser mais difícil e tardio.
Sintomas subjetivos como dor, desconforto, azia ou náusea são muito difíceis de avaliar e interpretar devido aos principais sintomas do TEA, como dificuldades na comunicação verbal e não verbal, bem como uma percepção alterada da dor.
Além disso, uma análise sistêmica sobre os estudos realizados para investigar problemas gastrointestinais com autismo, diz que os artigos revisados apontam entre 9% e 70% de intercorrência das duas condições, dependendo da amostra analisada.
Quando questionados sobre aspectos da saúde mental, tanto as pessoas autistas quanto suas cuidadoras (no caso de crianças) responderam que:
- A pessoa autista já teve comportamentos de autolesão/automutilação: 813 (49% responderam que sim);
- A pessoa autista já tentou tirar a própria vida: 754 (7% respondeu que sim).
Relação de tempo de descanso e gênero no cuidado com pessoas com autismo
Outro ponto muito importante do nosso estudo, é a relação que existe entre os gêneros das pessoas cuidadoras, o tempo de descanso e a culpa que elas carregam quando o assunto é o diagnóstico da criança atípica.
Nosso estudo também investiga a sensação de culpa entre pessoas cuidadoras. Esse dado é importante para entender se elas sentem que foram responsáveis, de alguma forma, pelo diagnóstico de autismo na criança.
Quando olhamos para este dado, temos os seguintes resultados:
- 36% da base de cuidadores sentem culpa pela condição da criança, destes:
- 89% são mulheres;
- 11% são homens.
Além disso, fizemos também uma correlação entre mães que se identificaram como pessoas autistas e pais que se identificaram como pessoas autistas e a relação de culpa pelas condições da criança.
Esta é uma informação importante porque a maioria das pessoas cuidadoras são as mães, e existe ainda um estigma muito grande sobre as mulheres no momento do diagnóstico do autismo.
No passado, elas foram consideradas por Leo Kanner e Bruno Bettelheim como culpadas pelo transtorno das crianças, de acordo com a teoria das mães-geladeira, que dizia que as mães “seriam capazes de descongelar o suficiente para produzir uma criança”, pressupondo que a falta de amor e acolhimento materno pudesse gerar o TEA.
Apesar do tempo ter passado e desta teoria ter sido desmistificada, ainda encontramos uma parcela da população (em sua maioria mulheres) que se sente culpada pela condição da criança.
Quando questionados sobre as principais dificuldades nos cuidados da criança autista, 68% dos cuidadores reforçaram terem tempo para descanso e para cuidarem de si mesmos.
Assim, esta foi a terceira principal dificuldade identificada. Quando fazemos uma correlação entre este dado e o estado civil dos respondentes, temos a seguinte amostra:
- Dentre os respondentes casados (60% total), 66% discordam ou discordam totalmente da afirmação sobre ter tempo para descanso e para cuidar de si mesmos;
- Dentre os respondentes solteiros (18% total), 70% discordam ou discordam totalmente da afirmação sobre ter tempo para descanso e para cuidar de si mesmos;
- Dentre os respondentes em união estável (11% total), 75% discordam ou discordam totalmente da afirmação sobre ter tempo para descanso e para cuidar de si mesmos;
- Dentre os respondentes divorciados (10% total), 70% discordam ou discordam totalmente da afirmação sobre ter tempo para descanso e para cuidar de si mesmos;
- Dentre os respondentes viúvos (2% total), 61% discordam ou discordam totalmente da afirmação sobre ter tempo para descanso e para cuidar de si mesmos.
Essa amostra é bem interessante, pois conseguimos notar que, embora 63% dos respondentes tenham respondido positivamente para a pergunta sobre receber apoio para cuidar da criança e 62% terem respondido positivamente para a pergunta sobre receber apoio para lidar com os desafios do autismo, ainda existe uma dificuldade acentuada (independentemente do estado civil, renda mensal e nível de escolaridade) para descansar e cuidar de si mesmos.
É por isso que é tão importante falarmos sobre orientação parental, suporte no núcleo familiar e rede de apoio de quem está diariamente cuidando das crianças. Todos esses aspectos são fundamentais para que pessoas cuidadoras consigam ter mais qualidade de vida ao longo da jornada de desenvolvimento de suas crianças.
Com esse suporte emocional é possível oferecer informações úteis, acesso a terapias e serviços, potencializando a sensação de que eles não estão sozinhos na jornada do autismo.
Conclusão
O nosso estudo oferece uma visão diversificada das experiências de cuidadores e pessoas autistas. Conseguimos mostrar em números a realidade de muitas famílias brasileiras – um assunto ainda não tão conhecido.
Quando falamos sobre a análise dos dados demográficos, ela reflete a multiplicidade de experiências vividas pelos cuidadores. O desafio persistente do autocuidado ressalta a necessidade urgente de uma rede de apoio sólida e práticas de autocuidado para os cuidadores.
Também identificamos a persistência da sensação de culpa entre as cuidadoras, especialmente as mães. Essa constatação reforça a urgência de destituir mitos e estigmas associados ao diagnóstico do autismo.
Você pode ter os dados completos do nosso estudo “Retratos do Autismo no Brasil e no mundo: Impactos na saúde suplementar a curto prazo” clicando no botão: