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O uso de canabidiol para tratamento do autismo vem sendo buscado por muitas famílias que enxergam no óleo de maconha medicinal uma possibilidade para melhorar comportamentos de agressividade e interação social entre pessoas no espectro.
De fato, os efeitos do óleo de CBD em crianças, adolescentes e adultos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) vem sendo estudado ao longo dos anos. Essa mesma substância já tem seus resultados comprovados para o tratamento de dores crônicas e doenças como epilepsia e depressão, além de reduzir efeitos de alguns tipos de câncer.
Neste artigo, explicamos mais sobre o uso de canabidiol para tratamento do autismo, o que pesquisadores já descobriram e sobre a legalidade desse tipo de medicamento no Brasil. Leia para entender!
O que é e do que é feito o óleo de canabidiol?
O óleo de canabidiol é extraído por meio dos Canabinoides, um dos mais de 510 compostos químicos da Canábis. Ou seja, uma das substâncias naturais que vem da planta da maconha.
Diferente do que muita gente pensa, ele não tem o poder de causar qualquer tipo de efeito psicoativo, o que é comum em pessoas que fumam o cigarro de maconha. Isso porque seus compostos não se conectam aos receptores cerebrais, como acontece com outros compostos da planta.
Ao contrário disso, a principal atuação do canabidiol é melhorar a ação de determinadas moléculas presentes na comunicação dos neurônios, permitindo ações ansiolíticas, antipsicóticas e anticonvulsivantes, segundo os estudos de seus efeitos.
Por esse motivo, sua confecção requer uma série de cuidados quanto ao:
- Plantio;
- Poda;
- Colheita.
Além disso, sua própria extração exige o auxílio de equipamentos infusores extratores de óleos essenciais. O que significa que somente quem tem conhecimento desses aspectos pode fabricar o óleo de CBD.
Vale ressaltar também que o uso do canabidiol não é recreativo, ele atua apenas como um medicamento natural no tratamento de condições neurodegenerativas e psiquiátricas, tendo seu uso recomendado para doenças como a epilepsia.
É seguro usar canabidiol?
Segundo relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), existe, sim, um bom perfil de segurança para o uso do CBD. Porém, isso não significa que ele seja totalmente seguro em todos os casos.
O que acontece, assim como a maioria das substâncias contidas em medicamentos, é que a dosagem precisa ser feita de forma correta e acompanhada por profissionais da saúde.
Dosagens altas do uso de canabidiol levam a efeitos colaterais indesejados como:
- Cansaço;
- Sono excessivo;
- Alterações no apetite e peso;
- Diarreia;
- Irritabilidade;
- Vômitos;
- Dificuldades respiratórias.
Por isso, é fundamental que pessoas que façam uso desse óleo tenham esse acompanhamento com a dosagem correta, já que esses efeitos apenas acontecem quando existe uso indevido do produto, em altas concentrações e sem a recomendação médica ideal.
Canabidiol no tratamento do autismo: o que dizem os estudos?
Ao pesquisar o canabidiol no tratamento do autismo, muitas famílias se deparam com reportagens e relatos que asseguram que o uso do óleo de maconha medicinal pode ajudar em diversos aspectos presentes no TEA, como:
- Desenvolvimento da comunicação oral e funcional;
- Redução de crises e comportamentos desafiadores;
- Diminuição dos “graus de autismo”;
- Entre outros.
No entanto, na prática, muita coisa ainda precisa ser estudada sobre canabidiol e autismo. Isso porque, mesmo nos casos onde resultados já são comprovados, ou seja, no tratamento de epilepsia e outras condições, o canabidiol deve ser usado somente como último recurso porque ainda não existem estudos o suficiente que atestem seus efeitos e resultados a longo prazo.
É importante lembrarmos que não existe nenhum tipo de “tratamento milagroso” para autismo, por isso, se o canabidiol estiver relacionado com essa fala, desconfie. Mesmo que ele ajude pessoas no espectro a terem maior qualidade de vida, ele não pode ser considerado como algo que irá diminuir graus ou transformar o autismo de qualquer forma.
Segurança e Eficácia da Canábis no Transtorno do Espectro Autista
No caso do autismo, um estudo realizado em Israel analisou 188 pessoas com TEA tratados com a canábis medicinal entre 2015 e 2017. Antes do início da terapia, foram aplicados questionários e avaliações que atestaram que os sintomas mais comuns entre os pacientes do estudo eram:
- Inquietação (90,4%);
- Ataques de raiva (79,8%);
- Agitação (78,7%);
- Problemas de sono (60,1%) e
- Deficiência de fala (60,1%).
A maior parte dos participantes foi tratado com o óleo de canábis feito de uma composição de 30% de Canabidiol (CBD) e 1,5% de Tetrahidrocanabinol (THC). O medicamento era aplicado diretamente na língua dos pacientes três vezes ao longo do dia.
Depois de 6 meses do início do estudo, 155 pacientes ainda se encontravam em tratamento ativo. Destes, 93 foram avaliados por meio de uma avaliação global e os resultados foram:
- 28 pacientes (30,1%) relataram melhora significativa nos sintomas;
- 50 pacientes (53,7%) relataram melhora moderada nos sintomas;
- 6 pacientes (6,64%) relataram melhora leve nos sintomas;
- 8 pacientes (8,6%) relataram não ter percebido qualquer alteração nos sintomas.
Além disso, 23 pacientes (25,2%) relataram ter experimentado pelo menos um efeito colateral durante o tratamento, sendo os sintomas de inquietação os mais comuns. Como conclusão ao estudo, os autores definiram que a canábis parecia ser uma opção bem tolerada, segura e eficaz para aliviar os sintomas, especialmente os comportamentos não essenciais, associados ao TEA.
Canabidiol e outros estudos com placebos
Para atestar a eficácia do canabidiol no tratamento do autismo e outras condições também é comum a realização de estudos com a presença de placebos. Isso significa que os participantes recebem diferentes substâncias, sendo que algumas são a base de CBD e THC e outras sem esses compostos.
Um desses estudos foi o realizado pelo grupo de pesquisa do Shaare Zedek Medical Center, que fez um estudo prospectivo — que tenta enxergar adiante no futuro — com a participação de 150 pessoas com TEA, com idades entre 5 a 21 anos.
Essa pesquisa se tratava de um estudo duplo-cego, o que significa que seu objetivo era evitar interferências conscientes ou não durante a realização dos experimentos com os participantes. Ou seja, eles não tinham ciência de qual substância estavam tomando — se era o óleo de CBD ou o placebo.
Para serem incluídos, os participantes precisavam apresentar problemas comportamentais medidos por uma classificação superior a quatro no Clinical Global ImpressionSeverity (CGI-S). As substâncias usadas foram:
- Placebo (azeite);
- Extrato de planta inteira de canábis (proporção CBD:THC de 20:1);
- Solução a base de azeite de 160/8,0mg por mL;
- Solução de 99% de CBD puro e 99% de THC puro misturado na proporção de 20:1 em uma solução a base de azeite de 160/8,0 mg por mL.
Os participantes foram divididos de forma aleatória e receberam 1 dos 3 tratamentos por um período de 12 semanas e, em seguida, fizeram um cruzamento para um segundo tratamento por um segundo período de 12 semanas.
Como um dos primeiros desfechos desse estudo em questão, os pesquisadores verificaram uma mudança nas respostas do Questionário de Situações Domésticas — Transtorno do Espectro do Autismo (HSQ-ASD) após o tratamento com extrato de planta de canábis inteira ou extrato purificado versus placebo.
O estudo foi concluído em 2018, mas seus resultados ainda não foram divulgados.
TEA e canábis medicinal: revisão e experimentação clínica
Os dois estudos citados acima, assim como outros, foram citados no artigo Autism Spectrum Disorder and Medical Cannabis: Review & Clinical Experience, de Mojdeh Mostafavi e John Gaitanis, que avalia dados pré-clínicos e clínicos disponíveis sobre o uso de canábis e canabidiol (CBD) no tratamento de sintomas centrais, sintomas não centrais e comorbidades associadas ao autismo.
Como conclusão ao estudo, os pesquisadores afirmaram que os dados pré-clínicos e clínicos atuais avaliados na revisão sugerem que a intervenção com óleo de canabidiol tem potencial para benefício terapêutico em algumas pessoas com TEA e é geralmente bem tolerado.
No entanto, eles reforçaram que ainda é um desafio identificar quais pacientes terão resultados positivos e quais podem desenvolver efeitos colaterais intoleráveis. Mostafavi e Gaitanis escreveram que ainda são necessários estudos adicionais a fim de identificar melhor as pessoas que podem se beneficiar com a canábis medicinal, assim como a otimização de protocolos de administração, incluindo, mas não se limitando à relação CBD:THC, uso de outros canabinoides, dosagens, frequência e via de administração.
O Canabidiol para autismo é legal no Brasil?
Por último, é hora de entender se o canabidiol para autismo é legal no Brasil. Como já explicamos, em alguns casos o uso do óleo de CBD é permitido para o tratamento de algumas condições no país.
Por isso, famílias que têm a recomendação médica e a receita em mãos, podem levar a receita de controle especial (tipo A ou B) em uma farmácia ou drogaria que venda o produto, desde que ele tenha como base um canabidiol aprovado no Brasil.
Também é possível importar, mas, para isso, é preciso solicitar uma autorização especial no site da Anvisa.
Por isso, o tratamento é possível desde que haja uma indicação médica e que, como citado, seja o último recurso. Mas, de acordo com informações publicadas em janeiro de 2022 no portal Canábis e saúde, apenas 0,4% dos profissionais da medicina habilitados fazem essa prescrição no país.
Os valores dos produtos a base de canabidiol também são altíssimos, chegando a mais de R$2 mil. Por esse motivo, em 2020, o Tribunal Regional Federal acatou a solicitação para que os medicamentos à base de canabidiol estejam na lista de fármacos distribuídos pelos SUS. Mas ainda não existem informações sobre o andamento desta demanda.
Uma informação importante é que a comunidade médica não recomenda o uso de óleo canábico artesanal,que costumam ser vendidos ilegalmente com preço menor. Isso porque, tanto a procedência da planta quanto das substâncias presentes no produto, não são 100% conhecidas, o que pode ser bastante prejudicial para a saúde de quem irá utilizar.
Nova decisão do CFM põe em risco o tratamento com canábis medicinal
No dia 14 de outubro de 2022 o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou no Diário Oficial da União uma determinação que restringe as possibilidades de prescrição de do canabidiol e proibiu médicos de fazerem palestras e cursos sobre o uso deste e de produtos derivados fora do campo científico.
De acordo com a norma, a categoria médica só está autorizada a prescrever a canábis medicinal para pacientes com epilepsia associadas às síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut e ao Complexo de Esclerose Tuberosa. Ainda assim, o CFM reforça que a prescrição só deve acontecer se o paciente não apresentar bons resultados em tratamentos convencionais.
Contrários à decisão, grupos formados por pessoas autistas e famílias começaram a manifestar um descontentamento com a norma e se mobilizar por meio de abaixo-assinados e pelas redes sociais.
Decisão de proibição de prescrição de canábis in natura é suspensa pelo CFM
Na segunda-feira, 24 de outubro, o CFM voltou atrás e suspendeu a resolução de restringir a atuação dos médicos na prescrição de medicamentos de canábis. Essa nova decisão tem caráter temporário e foi tomada depois de uma reunião extraordinária entre membros do conselho.
São Paulo terá medicamento à base de canábis no SUS
Foi sancionado na noite desta terça-feira (31/01) pelo atual Governador do estado de São Paulo, Tarcisio de Freitas, uma lei que autoriza a distribuição gratuita de medicamentos à base de canabidiol em toda a rede pública de saúde do estado, pelo SUS.
Todos os remédios precisam ter registro prévio na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e serão distribuídos apenas a pacientes com laudos e prescrições médicas, além de um comprovante atestando que não existem condições de compra da medicação.
O projeto, de autoria do deputado Caio França (PSB), já havia sido aprovado em 21 de dezembro de 2022 na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Nas redes sociais, o parlamentar comemorou e disse que essa é uma vitória das famílias “de autistas, pessoas com síndromes raras, Parkinson” por exemplo.
O governo do estado informou que será criado um grupo de trabalhos para regulamentar a nova lei, com profissionais responsáveis pela implementação, atualização e reavaliação da política Estadual de Medicamentos Formulados à Base de Canábis.
“O importante é que São Paulo vai ter uma política pública dedicada a esse medicamento”, afirmou o governador. Agora, cabe à Secretaria de Saúde a regulamentação da lei, que tem um prazo de até 30 dias para tal.
Conclusão
Embora o canabidiol mostra potencial como opção no tratamento para autismo, é fundamental abordar essa opção com cautela e sob supervisão médica. A pesquisa está avançando, mas ainda há muito a ser compreendido sobre CDB e TEA.
Intervenção precoce, terapias baseadas em evidências científicas e acompanhamento multiprofissional são ferramentas essenciais para melhorar a qualidade de vida de pessoas com TEA e garantir um futuro com mais autonomia e independência.
A jornada para entender o papel da canábis medicinal no autismo é promissora, mas a prudência e a colaboração com profissionais de saúde são essenciais para garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável daqueles que estão no espectro autista.
Para saber mais sobre outros medicamentos indicados para o autismo, como a Risperidona, leia o artigo do nosso blog: