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Nas Olimpíadas de Paris 2024, todos os olhares se voltam para os feitos atléticos e conquistas dos esportistas de todo mundo. Com o final desta celebração, se inicia os Jogos Paralímpicos e podemos continuar acompanhando as conquistas e excelência esportiva de forma inclusiva e representativa.
Nesse momento, surgem diversas dúvidas e perguntas sobre as diferenças entre os jogos e também quem pode participar das modalidades. Esse é um evento esportivo dedicado aos atletas com algum tipo de deficiência e adaptados conforme suas características.
Mas, apesar do segmento paralímpico crescer a cada nova edição, ainda falta acessibilidade em muitas informações para as pessoas que buscam saber mais sobre ele, principalmente quando falamos sobre a classificação de deficiências no esporte de alto rendimento.
Para responder essas dúvidas, conversamos com João Paulo Casteleti de Souza, gerente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) com foco na diretoria de esportes de alto rendimento e diretoria de desenvolvimento esportivo.
O profissional explicou com detalhes sobre a Classificação Esportiva Paralímpica para as Paralímpiadas e também trouxe um pouco sobre os próximos passos do CPB para gerar cada vez mais inclusão. Leia tudo para conferir!
Qual a diferença entre as Olimpíadas e Jogos Paralímpicos?
Por acontecerem no mesmo ano dos Jogos Olímpicos, as Paralímpiadas podem gerar algumas dúvidas nas pessoas. A principal diferença entre esses jogos está na modalidade que são disputadas e quais são os atletas que podem participar das competições.
As Paralímpiadas são jogos pensados para atletas com algum tipo de deficiência, tendo sua classificação como o grande diferencial entre esporte olímpico e paralímpico. Quando pensamos em classificar o esporte, estamos falando de categorizar as modalidades e atletas.
João conta que temos diferentes formas de categorização do esporte. “A gente categoriza o esporte por gênero, por idade, por nível de habilidade, por peso corporal. No esporte paralímpico, a classificação começa pelo diagnóstico ou causa da deficiência, depois para o nível de comprometimento e depois para o nível de funcionalidade, pelo potencial motor preservador”.
Ambos os jogos acontecem a cada quatro anos e sempre nas mesmas cidades. Ou seja, as cidades que desejam sediar as Olimpíadas devem incluir automaticamente as Paralímpiadas como parte da sua candidatura.
Isso porque, em 2001, foi assinado um acordo entre o COI (Comitê Olímpico Internacional) e o CPI (Comitê Paralímpico Internacional), para proteger a organização dos Jogos Paralímpicos e garantir que existisse a prática do “uma candidatura, uma cidade”.
Como é feita a classificação e elegibilidade para as Paralímpiadas?
João conta que a classificação de atletas paralímpicos segue uma avaliação de 3 etapas:
- Clínica: essa avaliação é feita para identificar a elegibilidade, verificando a deficiência ou patologia que se enquadre nos critérios de elegibilidade do esporte paralímpico;
- Técnica: uma avaliação feita para identificar qual o impacto dessa deficiência ou comprometimento no gesto motor da modalidade;
- Observação em competição: é uma nova etapa para ver se as duas primeiras avaliações fazem sentido com o desempenho e performance do atleta.
“Quando pensamos em uma amputação de punho, por exemplo. A deficiência é a mesma, um trauma com amputação, por isso a avaliação clínica é a mesma.”
Mas o impacto na modalidade é outro. Então, as outras duas etapas vão observar qual o impacto que essa perda gera em uma corrida, ou no nado, que são diferentes.
Cada modalidade esportiva tem uma biomecânica e um gesto motor diferente, por isso, elas estão livres para criar o seu próprio sistema de classificação, desde que esse sistema esteja em compatibilidade com o Código Internacional de Classificação.
Esse código é um documento que foi criado pelo ICP em consonância com as Federações Internacionais. Nele conseguimos encontrar as políticas e diretrizes para cada sistema de classificação, dividido por esporte.
Pensando em elegibilidade de atletas paralímpicos, esse código traz 10 tipos de elegibilidade que são:
- Deficiências físicas: em membros, baixa estatura, hipertonia atetósica, ataxia, déficit de força muscular, déficit de amplitude de movimento articular, diferença entre o comprimento dos membros inferiores;
- Deficiência visual;
- Deficiência intelectual.
Autistas podem participar dos Jogos Paralímpicos?
Atualmente, o autismo por si só não é uma classe elegível nas Paralímpiadas de acordo com o Código Internacional definido pela ICP. No entanto, muitos autistas têm condições associadas, como deficiência intelectual ou outras deficiências físicas, que podem torná-los elegíveis para competir.
Isso porque, quando falamos em autismo, os critérios diagnósticos do podem variar de acordo com o nível de necessidade e suporte que a pessoa no espectro apresenta.
Assim, na CID-11 (última versão deste manual) os diagnósticos de autismo passam a fazer parte dos Transtornos do Espectro do Autismo (6A02), que podem ser identificados das seguintes formas:
- Nível 1 – Leve:
- 6A02.0: TEA sem Deficiência Intelectual (DI) e com leve ou nenhum prejuízo de linguagem funcional
- 6A02.1: TEA com DI e com leve ou nenhum prejuízo de linguagem funcional
- Nível 2 – Moderado:
- 6A02.4: TEA sem DI e com ausência de linguagem funcional
- 6A02.5: TEA com DI e com ausência de linguagem funcional
- Nível 3 – Severo:
- 6A02.4: TEA sem DI e com ausência de linguagem funcional
- 6A02.5: TEA com DI e com ausência de linguagem funcional
Dessa forma, é possível que uma pessoa autista tenha ou não deficiência intelectual em seu diagnóstico, o que a torna possível de elegibilidade como atleta paralímpica, de acordo com essa deficiência intelectual e todos os critérios de classificação e elegibilidade definidos pela ICP.
João explica que, pelas 10 classes de deficiência do Código, o CID somente de TEA não está presente. “O autismo pode ser considerado uma deficiência intelectual, então ele entraria nesse critério”.
No sistema de classificação para pessoas com deficiência intelectual é descrito pela Federação VIRTUS (World Intellectual Impairment Sport) que é quem dá suporte internacional para atletas com deficiência intelectual.
Atualmente, as modalidades que têm a classe para pessoas com deficiência intelectual nos Jogos Paralímpicos são: natação, atletismo e tênis de mesa.
“Atualmente é preciso de 2 critérios para atender a elegibilidade para DI: ter o diagnóstico até os 22 anos de idade, porque tratamos de um comprometimento no desenvolvimento. O outro é o QI, feito através de 2 testes padronizados pela Virtus, que precisa ser de 75 ou menos”, explica João.
Dessa forma, se uma pessoa com autismo tem diagnóstico comprovado com deficiência intelectual até os 22 anos e com QI menor de 75, ela é elegível para se tornar um atleta Paralímpico em uma dessas 3 categorias.
Ele também comenta que tanto a Virtus, quanto a CBDI (Confederação Brasileira de Desportos para Deficientes Intelectuais) já estão atentas sobre o aumento do número de diagnósticos de pessoas com TEA no Brasil e no mundo.
“Dentro da Federação internacional existem 3 classes, a I onde estão as modalidades Paralímpicas. A classe II está relacionada a Síndromes, onde normalmente as pessoas com Síndrome de Down estão. E a classe III que é a específica para pessoas com deficiência intelectual de alta funcionalidade, onde normalmente entre o autismo. Já que normalmente o autista não tem o QI abaixo da média, mas sim acima da média”.
A ligação entre a saúde de pessoas autistas e o esporte de alto rendimento
Precisamos também lembrar da importância do esporte para pessoas autistas, principalmente em seus desenvolvimento e saúde mental.
Atletas com condições neurodivergentes, como autismo e TDAH, enfrentam desafios únicos.
A estrutura e a rotina oferecidas pelo esporte podem ser particularmente benéficas para essas pessoas, ajudando a melhorar o foco, reduzir a ansiedade e proporcionar um sentido de comunidade e inclusão.
De acordo com um estudo realizado pelo National Center on Health Physical Activity and Disability (NCHPAD), o exercício pode ajudar a reduzir comportamentos repetitivos e autoestimulantes em crianças com autismo, além de melhorar suas habilidades motoras e sociais.
Existem muitos programas específicos que usam recursos visuais e de estruturação para tornar o exercício acessível, sendo especialmente benéficos para pessoas autistas.
É igualmente importante garantir que os ambientes esportivos sejam adaptáveis e inclusivos, reconhecendo e respeitando as necessidades individuais de cada atleta.
Um exemplo inspirador de saúde mental atípica no esporte é o caso de Chris Morgan, remador australiano diagnosticado com autismo de alto funcionamento.
Morgan competiu nas Olimpíadas de Beijing 2008, Londres 2012, onde conquistou a medalha de bronze, e Rio 2016.
Ele enfrentou desafios de relacionamento e comunicação devido ao seu diagnóstico, mas conseguiu alcançar o pódio e competir em alto nível. Exemplos como o de Morgan mostram que todo esporte e todo exercício podem ser adaptados para pessoas autistas.
Conclusão
As atividades esportivas vêm ganhando cada vez mais espaço na inclusão e desenvolvimento de crianças com TEA. Isso porque essa prática ajuda na interação social, na percepção de mundo e também na adequação de comportamentos através dos exercícios físicos.
Apesar do autismo por si só não ser elegível para os Jogos Paralímpicos, isso não quer dizer que não existam atletas autistas, dentro e fora desta competição. Como vimos, é possível sim que o autista faça parte, desde que se enquadre nos critérios de elegibilidade dos órgãos responsáveis.
Com estratégias adequadas, suporte profissional e ambientes adaptados e inclusivos, pessoas atípicas podem se destacar no esporte de rendimento e encontrar uma nova oportunidade de aprendizagem e desenvolvimento.
Já falamos aqui em nosso bloco dos benefícios das atividades físicas na vida de pessoas com TEA. Vale a pena ler para continuar aprendendo: