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Saúde mental e autismo: o que estamos deixando de lado?

Quando o assunto é saúde mental e autismo precisamos ampliar os espaços de troca e também as discussões a respeito desse tema, principalmente sobre as altas taxas de suicídio associadas.

Esse é um tema bastante sensível e delicado quando falamos da comunidade autista, já que temos vários estudos sobre os efeitos do bullying, depressão, ansiedade e outros transtornos, ligados à saúde mental de pessoas no espectro.

Imagine se a palavra “autismo” nunca tivesse sido usada. Você já parou para pensar se a vivência das pessoas autistas seria reconhecida de uma forma diferente?

Neste artigo, vamos entender melhor a importância de oferecer cuidado personalizado e empático, fortalecendo aspectos da saúde mental de pessoas autistas.

Entendendo sobre saúde mental e autismo

Em datas como o Setembro Amarelo, mês de valorização da vida e conscientização sobre a saúde mental, muito se fala sobre esse assunto. Mas e depois que esse período passa? Precisamos continuar falando sobre saúde mental e autismo.

Cada pessoa com autismo trilha um caminho individual e desafiador. Suas jornadas são moldadas por uma série de fatores, como suas habilidades, necessidades e experiências de vida.

Portanto, é fundamental compreender que o cuidado não pode ser de um tamanho ou forma única para todos. Cada pessoa é única e precisa de apoio e suporte que se adeque às suas necessidades, repertório e sentimentos.

Em um estudo feito em 2016 os autores nos convidam a refletir sobre uma pergunta importante: se não usássemos o termo “autista”, será que ouviríamos e apoiaremos essas pessoas de maneira diferente?

Parece que a linguagem desempenha um papel fundamental na forma como abordamos a condição de ser humano, mesmo que para pessoas autistas seja necessário um caminho um pouco diferente para entender suas experiências.

A jornada de saúde mental de pessoas autistas é feita a partir de muito reconhecimento e troca. É no reconhecer que elas têm um lugar único em nossa comunidade, representando não apenas desafios, mas também a singularidade de sua existência.

Esse é um dos estudos que nos faz repensar o que realmente importa quando se trata de entender e apoiar as pessoas autistas. Talvez, ao invés de nos concentrarmos apenas no diagnóstico, possamos nos esforçar para ouvir, compreender e aceitar suas experiências, independentemente das palavras que usamos para descrevê-las.

Entender que fortalecer a saúde mental da comunidade é um convite aberto para uma abordagem mais inclusiva e compassiva.

Quais são os fatores de risco na saúde mental de pessoas autistas?

O risco de suicídio é maior na população autista se compararmos às taxas da população sem esse diagnóstico. De acordo com alguns estudos, as taxas são ainda mais expressivas para as mulheres no espectro.

Um dos fatores que mais influencia esse cenário é a dificuldade dos profissionais de diagnosticar corretamente, já que há confusão entre os sintomas característicos de alguns transtornos psiquiátricos, como depressão, e traços característicos do próprio espectro autista.

O maior fator de risco associado à saúde mental de indivíduos no espectro é a pressão e expectativa social de que escondam seus traços autistas, como estereotipias (ou stims).

Alguns estudos apontam que isso pode aumentar os níveis de ansiedade e diminuir a autoestima, além de estar relacionado com o surgimento de pensamentos suicidas.

É preciso olhar para saúde mental da comunidade autista

Ouvir, entender e respeitar suas necessidades é o primeiro passo para construir uma base sólida de confiança e comunicação.
Precisamos reconhecer que pessoas autistas enfrentam riscos específicos à saúde mental. Questões como o isolamento social, a dificuldade na comunicação e a sensibilidade sensorial podem contribuir para o estresse e a ansiedade.

Além disso, o estigma e a falta de compreensão da sociedade podem tornar a jornada ainda mais desafiadora.

Infelizmente, a comunidade autista enfrenta taxas mais elevadas de tentativas contra a vida em comparação com a população em geral. Estudos demonstram que pessoas no espectro, meninas e mulheres em particular, correm alto risco.

O estudo é o primeiro grande o suficiente para analisar dados de suicídio de autistas por sexo, idade e presença. Entre as pessoas autistas com deficiência intelectual, 1 em cada 13 mulheres tenta suicídio, em comparação com 1 em cada 20 homens.

Essa estatística é alarmante e ressalta a necessidade urgente de um olhar mais próximo, durante a jornada, garantindo maneiras de conversarmos com essas pessoas para que elas entendam que existe a possibilidade de um futuro com mais autonomia, independência e apoio onde quer que forem.

Assim, a valorização da vida começa com a conscientização, o acesso a cuidados de saúde mental e o apoio emocional contínuo, para pessoas autistas, familiares e pessoas cuidadoras nessa jornada.

Por que as mulheres autistas estão mais vulneráveis?

Mulheres em geral são as mais afetadas pelos diagnósticos de depressão, ansiedade e transtornos alimentares (comorbidades comuns ao TEA). Aquelas que estão no espectro estão ainda mais propensas a apresentarem sofrimento psicológico.

Isso porque, o diagnóstico de TEA em meninas e mulheres costuma ser tardio, devido aos critérios diagnósticos serem baseados nas descrições dos sintomas apresentados por meninos.

Além disso, socialmente há uma maior pressão em mulheres para que sejam habilidosas em interações sociais, sendo forçadas desde cedo a se comunicarem e socializarem mais.

De fato, as taxas de “camuflagem” de traços autistas aparentam ser maiores em meninas e mulheres do que em meninos e homens, o que faz com que os sinais muitas vezes sejam mais sutis.

Saúde mental e autismo: suicídio em pessoas autistas

Alguns pesquisadores têm estudado a saúde mental em pessoas autistas. Um desses estudos é o “Avaliação de comportamentos suicidas entre indivíduos com transtorno do espectro do autismo na Dinamarca”, realizado por Kõlves e colaboradores, em 2021.

Em uma amostra significativa da população dinamarquesa, ao longo de dez anos de observação, esses estudiosos perceberam que as taxas de suicídio foram três vezes maiores para indivíduos no espectro autista, em comparação com a população em geral.

Além disso, observou-se que essas taxas eram maiores nas mulheres que estavam no espectro e em pessoas que apresentavam outros diagnósticos psiquiátricos, especialmente ansiedade e transtornos de humor.

Outro dado interessante que o estudo apresenta é o de que as taxas de suicídio aumentam proporcionalmente à idade do diagnóstico.
Ou seja, quanto mais tardio o diagnóstico, maior risco de suicídio associado. Este pode ser o motivo das mulheres estarem mais vulneráveis e mais um motivo para reforçarmos a importância do diagnóstico ocorrer mais cedo.

Depressão e autismo: como buscar ajuda?

Assim como é necessário que haja uma equipe para avaliar se uma pessoa está no espectro autista, é necessário o trabalho multidisciplinar para avaliar se esse indivíduo apresenta comportamentos, emoções e pensamentos característicos de outros quadros diagnósticos.

Portanto, na dúvida procure um médico psiquiatra e um psicólogo para avaliar se, além do TEA, há algum outro quadro impactando a qualidade de vida e desenvolvimento saudável daquela pessoa.

Existem casos, também, de que a pessoa foi diagnosticada com depressão ou outra condição psicológica, mas os profissionais não identificaram os sinais de autismo.

Como podemos fortalecer a saúde mental na comunidade autista?

As estatísticas são preocupantes, mas precisamos, como sociedade, encontrar caminhos para diminuir esses dados e garantir a vida de todas as pessoas, sejam elas atípicas ou não.

Com isso, apoiar e dar informações verdadeiras para todos, é uma maneira de propagarmos conscientização e empatia, gerando reconhecimento do que precisa ser feito e transformado.

Algumas ações são:

  • Educação e conscientização: continuar a educar a sociedade sobre o autismo, desmistificando estereótipos e promovendo a aceitação;
  • Apoio profissional especializado: profissionais de saúde mental especializados em autismo desempenham um papel fundamental no tratamento e no suporte emocional, não somente de crianças, mas de adolescentes e adultos no espectro.
  • Comunidade de apoio: criar redes de apoio locais e online para familiares e pessoas autistas pode fornecer um senso de pertencimento e suporte mútuo, ampliando espaços de comunicação e troca positiva;
  • Inclusão social: promover ambientes inclusivos em escolas, locais de trabalho e comunidades é essencial para o bem-estar dos autistas e garantir que eles estejam presentes sempre;
  • Escuta ativa: ouvir atentamente as necessidades e preocupações das pessoas autistas é a base para oferecer apoio significativo.

Como os profissionais de saúde podem ajudar na saúde mental de pessoas autistas?

Se você é profissional da saúde, sobretudo da área da saúde mental, e tiver dúvidas a respeito de como proceder caso perceba que seu paciente pode estar em sofrimento psicológico, vale a pena seguir algumas das dicas a seguir:

  • Ouça sem julgamentos o relato do seu paciente.
  • Demonstre empatia.
  • Não invalide o que seu paciente diz estar sentindo.
  • Nenhum relato de pensamentos suicidas deve ser entendido como algo irrelevante, sempre deve ser considerado como alvo da intervenção.
  • Caso você não saiba como proceder quando seu paciente relata ter pensamentos suicidas, procure ajuda de um profissional especializado para te orientar ou te supervisionar.

Autismo, saúde mental e sofrimento psicológico

O termo “problema da empatia dupla” cunhado por Damian Milton descreve que as dificuldades de relacionamento entre autistas e não autistas é uma via de mão dupla.

Da mesma forma que uma pessoa autista demonstra dificuldades em entender os pontos de vista de pessoas neurotípicas, indivíduos fora do espectro também apresentam essa mesma dificuldade em relação a pessoas atípicas.

Apesar disso, o peso e expectativa social de adaptação recai de maneira desproporcional em indivíduos que estão no espectro. Por isso, a aceitação de pessoas autistas em espaços de trabalho, escolas e outras instituições, não deve depender apenas da mudança daqueles que estão no espectro.

A sociedade no geral também precisa oferecer maior flexibilidade e adaptação para que a inclusão seja efetiva. Só dessa forma será possível prevenir essas taxas alarmantes de tentativas e mortes por suicídio nessa população.

Conclusão

Fortalecer a saúde mental requer um compromisso coletivo de empatia, compreensão e apoio e pode ser ampliado em ações do cotidiano. Profissionais especializados e orientação ao longo da vida são a chave para garantir estratégias e ações efetivas de cuidado e suporte.

É preciso fomentar rigor clínico e capacitação contínua para que os profissionais da saúde estejam sempre preparados para acompanhar pessoas autistas, desde a infância até a vida adulta.

Vamos trabalhar juntos para criar um mundo onde cada pessoa autista possa trilhar sua jornada com dignidade, esperança e a certeza de que não está sozinho.

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