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Você já pensou em como é crescer ao lado de um irmão com autismo? Muitas vezes, os holofotes — por necessidade — se voltam para a criança que precisa de mais suporte. Mas e os irmãos e irmãs? Como se sentem? De que forma essa vivência os transforma?
“Essas perguntas começaram a ecoar em mim depois de anos de convivência com famílias incríveis, que me ensinaram mais do que qualquer manual ou artigo científico”, relata Grazielle Bonfim, psicóloga e mestre em Psicologia Experimental e Análise do Comportamento.
Durante uma sessão clínica, uma fala específica marcou Grazielle profundamente: “Queria ter autismo para meus pais te pagarem para brincar comigo também.”
“Essa frase me atravessou. Foi o ponto de virada que me fez perceber que meu olhar clínico estava muito focado na criança com TEA, mas eu precisava expandi-lo para enxergar quem também compõe essa história: os irmãos”, explica.
Esse incômodo fértil foi o que impulsionou Grazielle a escolher o tema da sua dissertação de mestrado. Mais tarde, esse mesmo tema deu origem ao livro infantil Meu irmão não me deixa ver televisão.
“A obra nasceu do desejo de dar voz às emoções e complexidades de crescer com um irmão autista, com empatia, poesia e humanidade”, completa.
O impacto do autismo na dinâmica familiar
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento que envolve dificuldades na comunicação, na interação social e padrões comportamentais repetitivos. Os impactos variam muito, mas uma coisa é certa: o autismo transforma toda a família.
Ter filhos com e sem TEA exige equilíbrio, atenção às individualidades e, principalmente, escuta. E é possível, sim, criar um ambiente onde todos se sintam vistos, amados e acolhidos.
O que dizem os estudos sobre irmãos de crianças com autismo?
Antes de pensarmos em estratégias para fortalecer os vínculos entre irmãos, é fundamental compreender o contexto emocional vivido por aqueles que crescem ao lado de uma criança com autismo.
Estudos nacionais e internacionais vêm destacando o impacto emocional e relacional que essa vivência pode gerar. Em geral, os irmãos e irmãs de crianças com TEA enfrentam desafios silenciosos, que nem sempre são visíveis aos olhos da família ou dos profissionais.
Confira alguns dados relevantes da literatura científica:
- Alta prevalência de sintomas ansiosos e depressivos em irmãos de crianças com deficiência ou neurodivergência (Petalas, 2012).
- 61% dos irmãos de crianças com TEA relataram níveis clinicamente significativos de estresse emocional (Macks & Reeve, 2007).
- 78% dos irmãos relatam assumir responsabilidades adicionais em casa relacionadas ao cuidado com o irmão (Petalas, 2012).
- 56% afirmam sentir angústia por conta dessa responsabilidade extra.
- Os sentimentos mais comuns incluem: culpa, solidão, responsabilidade precoce e ambivalência emocional.
Além disso, há fatores de risco importantes para o bem-estar emocional desses irmãos, como:
- Falta de espaço para falar sobre os próprios sentimentos.
- Redução do tempo e da atenção dos pais.
- Sobrecarga emocional e relacional.
- Ausência de explicações acessíveis sobre o autismo do irmão.
No entanto, a literatura também aponta caminhos promissores. Intervenções bem conduzidas fazem diferença:
- Irmãos que participam de grupos de apoio apresentam:
- 50% de melhora na compreensão da condição do irmão autista.
- Aumento da autoestima e da saúde mental.
- Redução de sentimentos de raiva e ressentimento (Ross & Cuskelly, 2006).
Esses dados reforçam a necessidade de olhar com mais cuidado para os irmãos e irmãs de crianças com TEA. Eles também precisam de acolhimento, informação e oportunidades para expressar suas emoções de forma segura e construtiva.
Já parou para pensar que a relação entre irmãos é, muitas vezes, a mais longa de toda a nossa vida?
É isso mesmo: na maioria dos casos, vamos conviver mais tempo com nossos irmãos do que com nossos próprios pais.
Como estamos cuidando dessa relação que nos acompanha por uma vida inteira? Abaixo, compartilho estratégias validadas pela literatura científica e os achados da minha pesquisa:
Abaixo, compartilho estratégias validadas pela literatura científica e os achados da minha pesquisa.
1. Fale sobre as diferenças com exemplos acessíveis
Explique os comportamentos do filho com TEA usando situações que o irmão possa compreender. Por exemplo: “Seu irmão balança os braços quando está feliz ou precisa se acalmar, assim como você solicita um abraço quando está cansado”.
2. Esclareça comportamentos que podem parecer injustos
Explique que comportamentos como bater ou empurrar podem acontecer quando a criança autista está frustrada, sobrecarregada ou com dor. Mostre que, embora não seja aceitável machucar, nem sempre é fácil para o irmão autista se expressar.
3. Valide os sentimentos do seu filho ou filha
Irmãos de crianças autistas podem sentir raiva, ciúmes, tristeza ou vergonha. Crie espaços seguros para expressarem esses sentimentos. Além disso, reforce que sentir isso é normal e que todos os irmãos brigam ou se sentem mal em algum momento.
4. Evite comparações e estimule a equidade
Quando um dos filhos tem autismo, a injustiça pode parecer enorme. Para crianças, terapeutas em casa, brinquedos especiais e menos tarefas são “privilégios”.
É importante lidar com essas frustrações à medida que elas surgem. Seu filho muitas vezes precisará ter certeza de que é tão importante e amado quanto o irmão. Além disso, busque garantir que todos façam parte das tarefas, não importa quão simples elas sejam.
5. Dê atenção individual sempre que possível
Uma grande dificuldade para filhos sem o diagnóstico é a sensação de que o irmão ou irmã está recebendo mais atenção. Há alguma verdade nisso, considerando que as crianças autistas têm rotinas cheias de consultas, sessões de terapia e maior nível de suporte em casa.
Crianças nem sempre reconhecem o lado desafiador dessas demandas exaustivas. Ao contrário, pode parecer que o irmão recebe mais amor e tempo dos pais. Pequenos sinais de afeto podem ajudar muito, como dizer: “estou tão orgulhoso de você” ou “muito obrigada por ser um filho maravilhoso”. Momentos individuais também são valiosos, embora nem sempre possíveis.
Se o tempo for curto, esforce-se para criar intervalos consistentes com ele todos os dias, como levá-lo consigo para fazer tarefas ou ir ao supermercado. Seu filho acabará por entender que o irmão com autismo exige mais da sua atenção, mas isso não significa que receba mais do seu amor.
6. Respeite as individualidades
É importante que as crianças tenham tempo e espaço para preservar suas individualidades. Os irmãos podem se beneficiar de, ocasionalmente, terem uma pausa um do outro.
Se os seus filhos sentirem que podem relaxar e serem eles próprios, é provável gostarem de passar tempo com os irmãos e tirem mais proveito dos momentos em comum!
7. Conecte-se com profissionais e outras famílias
Mantenha um diálogo aberto com os terapeutas e profissionais que trabalham com a criança com autismo. Eles podem fornecer orientações específicas para a dinâmica familiar.
Busque fóruns online, sites e páginas de mídia social para se informar e compreender como ser e dar suporte para que seus filhos se expressem com segurança. Também é uma forma de conectar-se com outras famílias que estão passando por desafios semelhantes.
Conclusão
Os irmãos de crianças com TEA ocupam um lugar singular nas dinâmicas familiares. Cuidar desse vínculo é essencial para promover o bem-estar de todos os envolvidos. Como profissionais, pais ou cuidadores, nosso papel é garantir que esses irmãos também tenham espaço para expressar seus sentimentos, desenvolver sua autonomia e construir relações saudáveis.
O livro infantil “Meu irmão não me deixa ver televisão“, de Grazielle Bonfim, é uma dessas pontes. Através do olhar da Maria sobre seu irmão João, a autora convida crianças e famílias a enxergarem as diferenças com mais compreensão e ternura. Que essa leitura abra espaço para conversas significativas e relações mais saudáveis entre irmãos.
Que todos se sintam vistos. Que todos se sintam amados.
Bibliografia:
- Bonfim, G. W. (2022). Transtorno do Espectro Autista e o impacto nos irmãos e irmãs com desenvolvimento típico.
- Petalas, M. A., Hastings, R. P., Nash, S., Reilly, D., & Dowey, A. (2012). The perceptions and experiences of adolescent siblings who have a brother with autism spectrum disorder. Journal of Intellectual and Developmental Disability, 37(4), 303-314.
- Ross, P., & Cuskelly, M. (2006). Adjustment, sibling problems and coping strategies of brothers and sisters of children with autistic spectrum disorder. Journal of Intellectual and Developmental disability, 31(2), 77-86.
- Macks, R. J., & Reeve, R. E. (2007). The adjustment of non-disabled siblings of children with autism. Journal of autism and developmental disorders, 37(6), 1060-1067.



