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A ecolalia é um distúrbio do desenvolvimento da fala bastante comum em pessoas com autismo. Sua característica principal é a repetição de palavras ou frases ditas na TV, ou por outras pessoas, mesmo que isso não faça sentido para o que se deseja comunicar.
Ela ocorre geralmente durante a infância — tanto com crianças neurotípicas quanto com crianças atípicas — mas pode se prolongar até a vida adulta em alguns casos. A relação entre ecolalia e autismo foi notada desde a descoberta do transtorno, em meados dos anos 1940, pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner.
Ainda hoje, a presença de padrões de comportamentos restritos e repetitivos, incluindo a ecolalia, é um dos critérios fundamentais para se traçar o diagnóstico de TEA. Neste artigo, explicamos mais sobre o distúrbio e conversamos com a fonoaudióloga Lilian Kuhn sobre o tema.
O que é ecolalia?
A ASHA (American Speech-Language-Hearing Association), define ecolalia como a repetição de enunciados produzidos por outros. Ou seja, como o próprio nome já diz, ela é o eco da fala.
Esse distúrbio da linguagem é prevalente em pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) que apresentam comunicação vocal — por meio da voz/fala — e podem permanecer como parte do comportamento vocal por algum tempo, de acordo com Fay (1969).
Existem diferentes tipos de ecolalia, sobre os quais falaremos a seguir:
Ecolalia imediata
É quando a pessoa repete o que acabou de escutar como forma de resposta durante a conversa. Por exemplo, se alguém diz “oi, tudo bem?” ao invés de ouvir “eu vou bem, e você?” a resposta imediata será “oi, tudo bem?”.
Ecolalia tardia
Já a ecolalia tardia ocorre quando a pessoa repete, posteriormente, frases que já ouviu serem ditas por outras ou até na TV e em filmes durante a conversa. Nestes casos, é comum que as frases sejam reproduzidas sem que haja um contexto específico. Isto é, elas não têm a real intenção de comunicação. Quando se fala sobre ecolalia no autismo, ela é a mais comum.
Veja um exemplo de ecolalia tardia nesta tirinha da Turma da Mônica feita para a Revista Autismo. Nela, o personagem André repete sem parar uma frase que ouviu antes, dita por Magali.
Ecolalia mitigada
Por outro lado, chamamos de ecolalia mitigada quando o que foi dito é algo ouvido anteriormente, mas tem sentido de comunicação. Isto é, mesmo que não faça sentido para quem ouve, faz para a pessoa que a reproduz.
No documentário Meu eu autista, a fonoaudióloga explica esse fenômeno da seguinte forma: “imagine que a criança assistiu um desenho animado no qual um dos personagens se machuca e o outro diz ‘puxa, papai. Vamos ao médico’. Se, mais tarde, um enfeite da mesa se quebra, invés de dizer ‘quebrou’ a resposta dela será ‘puxa, papai. Vamos ao médico’”.
Como identificar
De modo geral, é bem simples identificar se uma criança está apresentando ecolalia. Isso porque, para isso, é preciso se atentar e perceber se ela está repetindo frases que já ouviu anteriormente ou que acabou de ouvir.
Além disso, outros sinais que podem indicar a ecolalia são:
- Frustração durante as conversas;
- Irritabilidade ao ser questionado.
É importante ressaltar, também, que qualquer criança pode apresentar ecolalia, pois ela faz parte do desenvolvimento da linguagem, afinal de contas, aprendemos por meio da imitação. Nem sempre quem tem autismo, tem ecolalia. Mas esse distúrbio de linguagem pode ser comum, especialmente na infância, em crianças que já desenvolveram comunicação vocal.
No entanto, a permanência da ecolalia por um longo período, a não-evolução para outras fases do desenvolvimento linguístico ou o uso exclusivo de ecolalias não são esperados para crianças típicas ou atípicas.
Para ficar de olho
Em geral, crianças apresentam ecolalia até aproximadamente 2 anos. Se ela persistir no uso da fala ecolálica – especialmente de forma tardia – após os 2 anos e meio, pode ser um sinal de alerta para quadros de Transtornos de Linguagem.
Com a palavra, Lilian Kuhn
Conversamos com a fonoaudióloga Lilian Kuhn, sobre a ecolalia no autismo. Além das informações dadas por ela que já foram inseridas no texto, veja um pouco da nossa conversa abaixo:
Gabriela Bandeira: A quais sinais as pessoas cuidadoras devem prestar atenção ao identificar ecolalia nas crianças?
Lilian Kuhn: Os cuidadores devem observar em quais contextos as ecolalias ocorrem, a frequência que ela ocorre e a qualidade dessa repetição. Por exemplo, se há entonações diferentes do esperado ou não.
Diante da suspeita de que a criança está produzindo ecolalias, os cuidadores devem procurar o fonoaudiólogo. A identificação precoce da ecolalia – tipo, contexto de ocorrência e função –, possibilitará uma intervenção fonoaudiológica para reduzir o fenômeno e ampliar a função social da linguagem, bem como orientar os cuidadores e os profissionais que convivem/atuam com a criança.
Gabriela Bandeira: Existe alguma forma de utilizar a ecolalia no desenvolvimento da comunicação?
Lilian Kuhn: Historicamente, a ecolalia foi descrita como uma produção sem sentido e sem função comunicativa. Porém, cada vez mais, as pesquisas científicas realizadas por fonoaudiólogos como Barry Prizant (criador do Modelo SCERTS) e outros profissionais de referência da área da linguagem, identificam que existem várias funções comunicativas presentes na ecolalia (preenchimento de troca de turno, comentários, pedidos, afirmação e protesto).
Essas pesquisas sugerem, então, que a ecolalia apresenta um papel extremamente importante na aquisição da linguagem pela perspectiva da Gestalt. (Prizant, 1982, 1983; Prizant & Duchan, 1981; Prizant & Rydell, 1984; Stiegler, 2015).
É importante ressaltar também que a ecolalia no TEA tem um papel autorregulatório: Não deve ser redirecionada sem antes entendermos a função e o que ela representa para o indivíduo. Dessa forma, sempre que a criança apresentar uma ecolalia é importante que seja fornecido o modelo de como ela pode falar naquela situação.
Gabriela Bandeira: Pessoas adultas também podem apresentar ecolalias? Se sim, isso é mais comum em adultos com desenvolvimento típico, com autismo ou com outros diagnósticos?
Lilian Kuhn: Durante a vida adulta, as ecolalias não são mais esperadas, exceto nos casos de desenvolvimento atípico, por exemplo, TEA ou em casos de adultos com alterações neurológicas em áreas relacionadas à linguagem, por exemplo: afasia. Vale ressaltar que o acompanhamento fonoaudiológico é necessário à primeira suspeita da ecolalia.