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Os cuidados com a saúde são essenciais para garantir o bem-estar de todos, sejam eles pessoas típicas ou atípicas. Quando as crianças precisam ir ao médico existe um medo natural pela associação do ambiente, o que gera uma ansiedade.
Porém, quando falamos de famílias de pessoas no espectro, essa dificuldade de levar a criança até o médico é ainda maior, já que esse pode ser um momento bastante desconfortável e que contribui com crises de pessoas no espectro.
Isso porque ir a uma consulta no médico ou ao hospital foge da rotina, algo que pode ser fundamental para algumas pessoas autistas, diminuindo assim a visibilidade das ações que irão acontecer durante o dia.
Muitas famílias e pessoas cuidadoras ficam sem saber o que fazer nesses casos, procurando por dicas que podem ajudar. Pensando nisso, conversamos com uma especialista no assunto, para trazer dicas e informações que são valiosas e podem amenizar a próxima visita ao médico.
Este é um conteúdo feito em parceria com a Dra. Bruna Ituassu, médica especializada em pneumologia pediátrica, pediatra especialista em autismo e TDAH e mãe da Havana, uma menina autista de 4 anos. Confira!
Principais dificuldades de crianças autistas durante o atendimento médico
Sejam crianças típicas ou atípicas, existem muitas dificuldades relacionadas ao momento da consulta médica. Bruna afirma que alguns pontos, são mais desafiadores, tanto para as famílias quanto para a própria criança, que são:
- Um número muito grande pessoas no mesmo local;
- Muito barulho;
- Maior quantidade de estímulos visuais;
- O contato físico;
- Espera muito longa para atendimento;
- O fato de ser um local totalmente desconhecido;
- Ou do profissional ser uma pessoa desconhecida.
O desconhecido pode ser uma questão difícil de trabalhar, pois muitas vezes, mesmo que a criança saiba e entenda onde ela está indo, ela não consegue visualizar com clareza o que vai acontecer naquele ambiente.
A pediatra também sinaliza a importância de entender que existe uma diferença entre o atendimento no consultório, no pronto-socorro ou hospital, por exemplo. Já que alguns espaços são mais adaptados e especializados para receber pessoas no espectro.
“Quando a gente fala de consultório, falamos outra estrutura. Por isso, eu sempre indico que os pais procurem lugares especializados e inclusivos, que tenham brinquedos, que tenham cores e que não tenham cara de consultório ou hospital”.
Ela traz como exemplo sua própria clínica, que é um espaço totalmente adaptado e preparado para receber uma criança autista ou com outro transtorno do neurodesenvolvimento infantil, ou síndrome. Existe uma área de regulação, um cuidado de marcar consultas espaçadas uma da outra e de se encaixar na rotina da família.
Além disso, ela conta que em muitos atendimentos, a própria família é quem fica desconfortável em dar liberdade para a criança explorar ou mexer em alguma coisa, com insegurança de que ela possa quebrar algo. Por isso, um ponto fundamental é deixar a família à vontade e consciente de que tudo que está ali pode ser explorado à vontade pela criança.
“Uma vez que a criança está livre e ta solta pelo ambiente, a gente conversa com a família inicialmente e depois começa a fazer essa aproximação”.
O que o médico pode fazer para diminuir esses desafios
Pensando que a principal dificuldade da criança ao visitar o médico é esse aspecto do novo e desconhecido, Bruna comenta que garantir um atendimento lúdico e usando o repertório da criança é uma das formas mais poderosas de diminuir essas barreiras.
“É natural que uma consulta com autista, seja ela onde for, leve um pouco mais tempo, porque a gente precisa criar um vínculo inicial, de brincar, de deixar a criança a vontade um pouco para explorar o consultório, que a gente faça esse vínculo inicial e comece a explicar e conversar”, reforça ela.
Além disso, o profissional também pode dar pistas visuais para essa criança, sempre mostrando os objetos, explicando para o que serve e deixando elas pegarem com as próprias mães, praticando o toque do exame na mãe, no pai e até em animais de pelúcia, para pôr última fazer de fato na criança.
“Assim criamos um círculo de confiança e criamos um pouco mais de empatia e aproximação”.
Outra questão importante que ela levanta são o uso de jalecos ou roupas brancas nas consultas. “O branco ele traz essa lembrança de estou no médico, de algo que dá medo”, comenta, por isso usar roupas coloridas, com animais ou personagens pode ser uma ótima saída para tirar a seriedade do local e a aflição da criança.
Por fim, a médica conta que um quadro de rotina, algo que implementa em seu consultório, é uma excelente ferramenta para que a família toda consiga deixar mais visual todo o processo do atendimento, desde a chegada até a saída.
Funciona assim: na chegada a família recebe um quadro para comentar os passos com a criança, que vai mostrar onde acabaram de chegar, e no quadro terá uma foto da clínica. Depois disso, vamos passar por ali e entrar naquela sala, e existe uma imagem da porta do consultório como suporte, e assim continuamos até o final do atendimento.
“Agora vamos falar com essa ‘tia’ aqui, aí tem uma foto minha em atendimento. Aí a ‘tia’ vai ver a boca e ouvido, aí tem uma foto de cada parte do corpo mencionado”.
Todo esse processo continua até o final, quando é legal dar uma recompensa para a criança. A dica é perguntar para a família o que é mais recompensador para a criança, pensando em seletividade alimentar ou outras restrições.
“Mas às vezes o mais recompensador e mais estimulante é uma massinha, é uma geleca, é um adesivo, é um desenho. Às vezes é até sentar e pintar, reforçar ela”, pontua a médica.
A importância da previsibilidade ao visitar o médico
Um ponto bastante comentado por Bruna é a previsibilidade para pessoas autistas na hora de visitar o médico. “Os autistas são muito visuais, então precisamos explicar, dar pistas visuais para essa criança, montando uma história visual, de onde ela vai, como vai ser, que horas ela vai voltar…”, reforça a pediatra.
Garantir previsibilidade é prevenir crises. Isso garante que a criança tenha o sentimento de saber onde ela está indo e com quem ela vai se encontrar. É fundamental respeitar o tempo e espaço, ouvindo se ela se sente confortável em ir a um determinado local e entendendo se ela deseja vir embora.
Uma dica que ela deu e que usa muito com a filha é o timer. Com esse objeto é possível mostrar quanto tempo uma determinada ação irá durar e em quanto tempo a família poderá voltar a sua rotina usual.
Além disso, ela indica muito a construção da previsibilidade um dia antes, trabalhando sempre a rotina do dia seguinte e adicionando suportes visuais para que a pessoa autista consiga entender o que terá de diferente amanhã.
“Um dia antes a gente monta a rotina do dia seguinte, e no dia seguinte a gente tem um card novo ali naquela rotina dizendo que amanhã ela vai conhecer um ‘tio novo’. Ela se refere ao consultório como brinquedoteca, porque tem muitos brinquedos, então a gente fala para ela que ela vai conhecer uma brinquedoteca nova, e que ela vai conhecer um ‘tio’ ou ‘tia’ nova e ela vai passar por um atendimento, e a gente explica da forma mais lúdica possível o que vai acontecer”.
Isso é muito valioso, já que garante que a criança fique menos ansiosa em consultas ou exames específicos, como, por exemplo, uma visita ao dentista. Aqui é possível usar um bichinho de pelúcia para demonstrar como será feito o exame, mostrando os dentinhos ou a boca.
Autistas têm direito a atendimento prioritário estabelecido por lei
Um aspecto bastante comentado pela Dra. Bruna foi o tempo de atendimento e as longas esperas, que podem contribuir com crises e desregulações emocionais da criança autista. Por isso, é importante ressaltarmos que pessoas autistas têm direito a atendimento prioritário em espaços de saúde.
A pediatra afirma que a importância da família sinalizar durante a triagem, especialmente em pronto-socorro, que a criança é autista e tem prioridade naquele atendimento.
“Muitas vezes o tempo de espera faz com que a criança se desregule, então é importantíssimo que as mães sinalizem para a equipe que o filho é autista e tem direito a prioridade de atendimento e que querem que estejam nas fichas, porque isso facilita pro médico que tem o primeiro contato com a cor que vem apontada nesta ficha, levando em consideração isso”, comenta.
Além disso, pessoas autistas têm vários outros direitos na saúde assegurados pela legislação brasileira. Temos um conteúdo completo sobre isso em nosso blog, vale muito a pena ler e entender mais sobre o assunto: