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Muitas pessoas procuram saber o que fazer diante de um comportamento desafiador de crianças autistas. Nem sempre é fácil entender o que está acontecendo com a criança nesses momentos, saber o que fazer e como ajudar.
Há momentos em que tudo parece sair do controle, é comum que os adultos em volta se sintam frustrados ou mesmo impotentes diante de determinados comportamentos. Além disso, muitas vezes há um medo de não estar conseguindo a ajudar a criança em algo que ela parece estar precisando.
Neste texto, vamos entender o que é um, chamado pela maioria de, comportamento desafiador, repensar o que isso significa, e abrir espaço para entrar em contato com o que acontece de fato com a criança. Continua lendo para aprender!
O que é um comportamento desafiador?
Muitos nomes são atribuídos aos comportamentos como bater, gritar, chorar de crianças autistas, como: comportamento desafiador, comportamento interferente, comportamento inadequado, entre outros.
Todos eles se referem a ações realizadas pela criança que, em geral, colocam ela ou outras pessoas em risco e afetam sua aprendizagem.
Todo comportamento tem uma função, ou seja, existe um motivo para estar acontecendo. Em comportamentos como gritar, bater, se jogar ou empurrar, há uma tentativa do corpo de comunicar uma necessidade que não está sendo atendida.
A pessoa recorre a essas ações por não ter, naquele momento, a habilidade de comunicar e ter suas necessidades reconhecidas e atendidas de outra forma.
Se consideramos que esses comportamentos são expressões de que algo não está confortável para a pessoa e que ela está precisando de suporte e ajuda, nenhum desses termos deveria ser utilizado para nomear esse conjunto de ações.
Como entender um comportamento desafiador?
Quando nomeamos algo como “comportamento desafiador”, é como se estivéssemos dizendo que a pessoa que o emite é desafiadora, e que estar com ela é um desafio. Essa forma de nomear acaba rotulando a pessoa, em vez de acolher a experiência que ela está vivendo.
Será que, se uma criança tivesse a possibilidade de se comunicar, se organizar e ter suas necessidades atendidas de outra forma, ela ainda expressaria o que é chamado, leigamente, de comportamento desafiador?
Ao usar esse termo, o foco se volta para o olhar de quem vivencia o comportamento com a criança, e não para a própria criança, que está expressando algo importante e legítimo por meio de suas ações.
Para além dessa reflexão, quando nomeamos como comportamento desafiador, o olhar se fixa quase exclusivamente no efeito do comportamento — no que ele causa para quem observa — e muito pouco na origem dele: Por que esse comportamento está acontecendo? O que o corpo está tentando comunicar?
O corpo, e a pessoa, são sábios. Muitos dos comportamentos chamados de desafiadores são, na verdade, formas de regulação ou expressões de que algo não está bem. O foco deveria estar muito mais na necessidade da criança que não está sendo atendida, do que no incômodo que o comportamento provoca em quem o presencia.
No fim do dia, trata-se muito menos de como chamar os comportamentos desafiadores, e muito mais de como compreendê-los, de como olhar para eles, entendendo que são expressões de uma criança que está precisando de ajuda para se comunicar, se autorregular, resolver um problema ou conseguir algo que ela deseja ou precisa.
Manteremos aqui o nome de comportamento desafiador, para que essa reflexão possa chegar a mais pessoas e que as pessoas possam refletir sobre como enxergam os comportamentos desafiadores e entenderem porque eles ocorrem.
Por que um comportamento desafiador acontece?
Dizemos que todo comportamento tem uma função, ou seja, todo comportamento tem um motivo para ocorrer. O comportamento desafiador acontece porque é uma resposta a algo, não podemos considerá-lo uma falha ou algo que não deveria existir.
É preciso mudar o pensamento: de “O que há de errado com essa criança?” para “O que está acontecendo de errado com essa criança?” ou ainda “Para que essa criança está precisando de suporte?”
O comportamento desafiador é uma forma de a criança comunicar uma necessidade e dizer ao adulto que algo não está bem. Durante muito tempo, a função do comportamento foi interpretada de forma simplista, com explicações como:
- a) a criança está tentando se esquivar ou fugir de algo;
- b) a criança está tentando obter atenção;
- c) a criança está fazendo isso porque sente algum prazer físico.
Precisamos sempre ir além na compreensão do comportamento que está sendo emitido.
Por exemplo: podemos observar uma criança gritando, recusando-se a entrar na sala de aula, e concluir que ela está agindo assim para fugir da sala. Mas esse entendimento é superficial.
Precisamos nos perguntar: do que ela está fugindo?
- Será que há um cheiro na sala que é muito forte para ela?
- Será que a professora fala muito rápido, sobrecarregando-a, e ela não sabe como lidar com isso?
- Será que os colegas falam muito alto e isso a deixa em colapso sensorial?
- Será que está sendo demandada com um desafio muito maior do que ela consegue sustentar, e, por isso, estar na sala tornou-se algo aversivo?
Dizer apenas que essa criança está tentando “fugir da aula” não valida o que ela está sentindo e não oferece estratégias adequadas para que ela possa entender o que está incomodando e, assim, agir de maneira diferente ao comportamento desafiador.
Comportamento desafiador no autismo: quando é um pedido de ajuda?
Se a criança conseguisse verbalizar o que está sentindo e qual é sua necessidade no momento em que o comportamento ocorre, certamente todos nós seríamos mais flexíveis diante do cenário que ela vive.
Se um colega dissesse: “Estou com muita dor de cabeça, essa sala está com muito barulho, podemos conversar em um lugar mais silencioso?”, você provavelmente não diria que ele está fugindo da reunião com você nem diria que ele está tendo um comportamento desafiador.
O maior desafio, quando falamos de crianças autistas, é que muitas vezes há uma dificuldade da própria criança em perceber o que está acontecendo consigo e quais são suas necessidades para, então, poder se comunicar.
Existe também uma dificuldade em como comunicar isso — e, por fim, muitas vezes, é difícil pensar em alternativas para se reorganizar ou resolver o problema.
No exemplo do colega, ele percebe a dor de cabeça, percebe o barulho, consegue nomear e descrever tudo isso e ainda propõe uma solução: mudar de sala.
Esse é um processo complexo, que nem sempre está acessível para a criança — e é por isso que o comportamento desafiador vem antes da palavra. E é por isso que escutar é tão mais urgente do que corrigir.
Com isso, podemos dizer que o comportamento desafiador ocorre porque:
- A criança e o corpo estão tentando comunicar uma necessidade
- A criança ainda não sabe como comunicar de outra forma o que precisa
- O ambiente não está ajustado às necessidades da criança
- A criança pode estar com dificuldade de perceber o que está sentindo e qual sua necessidade
- A criança está sobrecarregada
- A criança ainda não sabe se autorregular ou ser regulada pelo adulto
Poderíamos elencar ainda mil motivos de um comportamento desafiador ocorrer. As variáveis são muitas, mas todas revelam uma única coisa: A criança está precisando de ajuda.
Precisamos mudar a pergunta de:
“Como faço a criança parar com esse comportamento?”
para:
“Quais são as necessidades sensoriais e comunicativas que não estão sendo atendidas?” e “ o que posso fazer para ajudar?”
Como lidar com comportamentos desafiadores?
Na intervenção diante de comportamentos desafiadores, vamos sempre pensar em prevenção — ou seja, em como oferecer o máximo de suporte para que o corpo daquela criança não precise se comunicar de forma sofrida.
Por que intervimos?
Porque gritos, choros, comportamentos autolesivos ou agressivos trazem impactos importantes em várias dimensões:
- No bem-estar da própria criança
- Na sua socialização e convivência com outras pessoas
- No seu processo de aprendizagem
- No bem-estar de cuidadores, professores e demais pessoas envolvidas em sua rotina
Depois que o comportamento desafiador ocorre, a criança já se sentiu mal, e as pessoas ao redor já foram impactadas junto com ela. A oportunidade de aprendizagem e conexão já foi, em parte, perdida.
Por isso, nosso foco deve ser: dar todos os recursos possíveis para que ela se mantenha organizada, com suporte para entender o que está acontecendo, se comunicar e saber o que pode fazer diante da situação.
Intervir em comportamentos desafiadores exige um compromisso ético: sair do lugar do julgamento e da aversão, e ocupar o lugar da escuta ativa e do suporte real — o lugar de quem pergunta, com genuína curiosidade e responsabilidade, “como posso ajudar?”.
Conclusão
Quando falamos de comportamentos desafiadores, estamos falando sobre a expressão de algo que não está bem, sobre a necessidade de escuta de quem está por perto e sobre a urgência de suporte. O comportamento desafiador não é algo problemático que precisa ser corrigido — é um sinal de que algo está errado e precisa de atenção.
Como adultos, nosso papel não é controlar o comportamento da criança. Nosso papel, diante de um comportamento desafiador, é criar condições para que ela se sinta segura, com suas necessidades reconhecidas e com outros meios possíveis para se expressar.
Aqui na Genial Care intervimos nos comportamentos desafiadores dando todo o suporte necessário para a criança conseguir desenvolver a percepção do que sente, expressar essa sensação para assim ter suas necessidades atendidas.
Quer saber como oferecer todos esses apoios de forma antecipada e respeitosa?
Acesse nosso texto sobre: Ansiedade, culpa e aceitação.