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É comum ouvir profissionais e famílias falarem sobre o “diagnóstico precoce” de autismo e sua importância para o desenvolvimento da criança. Em alguns casos, é possível até ver relatos de familiares que afirmam que, anos após o laudo e intervenções, a criança “saiu” do espectro e foi considerada neurotípica.
Apesar desta parecer uma realidade cada vez mais buscada pelas famílias que se deparam com sinais de atraso no desenvolvimento da criança, existem problemáticas em um diagnóstico dito “precoce” de Transtorno do Espectro Autista (TEA).
É sobre esse tema que o neuropediatra, especialista em autismo e transtornos do desenvolvimento, Dr. José Salomão Schwartzman conversou com a Genial Care.
O que é um “diagnóstico precoce”?
Já em casos de autismo, se fala em diagnóstico precoce quando ele acontece ainda na primeira infância. No entanto, uma vez que os sinais de TEA podem variar de pessoa para pessoa, identificá-los com precisão tão cedo para emitir um laudo pode ser difícil para profissionais.
“A gente sabe que, quanto mais nova é a criança, mais difícil é identificar determinados sinais e sintomas e identificá-los como sendo autismo, deficiência intelectual, imaturidade, prematuridade ou uma série de coisas. Então não é conveniente, a não ser em casos extremamente severos e muito graves em que você tem uma constelação de sinais tão óbvios que provavelmente com um ano e pouquinho você já pode dizer, com absoluta certeza, que o indivíduo tem TEA”.
Por que não fazer um “diagnóstico precoce” de autismo?
Um exemplo de como o diagnóstico precoce de TEA pode ser errôneo foi avaliado pelo próprio Dr. Schwartzman no estudo “Rastreo de señales sugestivas de TEA en prematuros con muy bajo peso al nacer” (Rastreio de sinais sugestivos de TEA em prematuros com baixo peso ao nascer, em tradução para o português).
Também assinado pelos pesquisadores Vivian Renne Gerber Lederman, Ana Lucia Goulart e Amélia Miyashiro Nunes dos Santos, o artigo traz detalhes da aplicação de escalas de rastreamento em bebês que nasceram prematuros, pesando menos de 1,5kg. A amostra foi feita da seguinte forma:
- Escala M-CHAT (para bebês de 18 a 24 meses): aplicada em 60 crianças;
- Escala ABC (para bebês de 30 a 36 meses): aplicada em 58 crianças.
Sabendo que a prematuridade está relacionada ao autismo, a intenção do estudo era identificar quantos bebês apresentavam, com pouca idade, sinais característicos e de risco para o TEA. Ao final da amostra, os resultados da aplicação foram:
- 6,7% de crianças com sinais de risco segundo a M-CHAT;
- 5,2% de crianças com sinais de risco segundo a ABC.
No entanto, os pesquisadores continuaram a acompanhar as crianças e, algum tempo mais tarde, somente 3,3% delas tiveram o diagnóstico de autismo confirmado.
“Se você aplicar testes de rastreamento de TEA em bebês que nasceram com baixo peso, dependendo da idade que você faz isso, se você acompanhar essas crianças por um ano ou dois, os 10% caem para 2% ou 5%. Ou seja, muita criança prematura tem sinais que podem induzir ao diagnóstico de TEA quando, na verdade, é padrão característico daquele tipo de criança”, explica Schwartzman.
Sinais precoces devem ser identificados
- Não falar;
- Não olhar nos olhos;
- Não dar “tchau” com as mãos;
- Não ter atenção compartilhada;
- Não dar “beijinho”;
- Não bater palmas.
“Esse não é um comportamento típico da idade, mas eu não posso afirmar que seja autismo. Pode ser um monte de coisas, inclusive um padrão de desenvolvimento atípico que, com o passar do tempo, vai ser normalizado”, pontua.
O neuropediatra continua, explicando que “não dá para afirmar ou afastar um diagnóstico, mas dá para dizer qual a melhor conduta. Não há dúvidas que a melhor conduta quando você tem sinais de risco para transtorno do desenvolvimento, seja TEA ou qualquer outro, você deve iniciar um programa de intervenção”.
“Se esse programa de intervenção tiver sucesso, em pouquíssimos meses, aqueles sinais deixam de aparecer, provavelmente. Não é um autista que sarou, era uma criança que tinha alguns sinais, mas como a literatura tá careca de saber, não faz um diagnóstico”, conclui.
Existe idade para o diagnóstico?
Principalmente porque, começar essa intervenção assim que possível é essencial tanto para o desenvolvimento da criança quanto para se ter uma visão multidisciplinar dela que vai colaborar para o laudo final.
Segundo Schwartzman, isso muda quando a criança já tem entre 3 e 4 anos. “A partir desta idade, habitualmente os sinais e sintomas típicos e característicos do autismo já apareceram todos. Isso não está presente com 1 ano e 10 meses, mas aos 3 você já tem um histórico relativamente longo de desenvolvimento para poder afirmar, com certeza”, ressalta.
Ele ainda reforça um problema burocrático para as famílias, justamente devido à falta do laudo. “Se eu te dou um laudo dizendo que seu filho tem sinais de risco para, mas não tem diagnóstico, muito provavelmente seu plano de saúde não vai querer bancar seu tratamento, embora a literatura esteja cheia de argumentos mostrando que a simples presença de sinais sugestivos deve determinar início de terapia”, argumenta.
Saiba mais sobre a intervenção precoce no autismo em nosso blog:
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