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No dia 8 de março, celebramos o Dia Internacional das Mulheres, uma data que nos convida a refletir não apenas sobre as conquistas e desafios, mas também sobre as diversas perspectivas femininas, como a de ser uma mulher autista.
Infelizmente, ainda existe uma falta de informações verdadeiras e até mesmo dúvidas sobre autismo, quando falamos de mulheres no espectro, esse assunto é ainda mais negligenciado.
Até hoje a relação entre as mulheres e o diagnóstico de autismo é uma questão complexa e frequentemente subestimada, principalmente, pois muitas pessoas acreditavam que era mais difícil diagnosticar autismo em meninas.
Já vimos que essa não é uma afirmação totalmente verdadeira e que muito desse mito tem relação com a camuflagem social e os estereótipos relacionados ao transtorno, geralmente ligados a homens.
Para entendermos mais sobre essa visão, convidamos Myriam Letícia, uma mulher autista, grau 1 de suporte, para contar sobre sua perspectiva de mulher no espectro e ampliar os espaços de discussões sobre as várias camadas do mês da mulher.
Como é ser uma mulher autista?
Ser uma mulher autista pode ser uma experiência singular e desafiadora. Quando falamos de neurodiversidade, vemos ainda mais diferenças e desigualdades sobre os diferentes gêneros.
A começar pela cor azul, que ainda é tida como tonalidade para representar o TEA, e que já foi questionada por ser algo ligado a ampla prevalência do sexo masculino entre os diagnósticos.
Mulheres com autismo muitas vezes enfrentam dificuldades em serem compreendidas e diagnosticadas precocemente, devido à camuflagem social, um fenômeno no qual elas aprendem a imitar comportamentos sociais considerados “padronizados”, mascarando assim os sintomas do autismo.
Os sintomas relacionados ao autismo na infância ou adolescência, principalmente no gênero feminino, são geralmente explicados como sendo algumas coisas ligadas ao que se espera da caricatura do gênero, para Myriam não foi diferente.
“O hiperfoco e outros comportamentos repetitivos e restritos, eram sinal de inteligência, já que os assuntos não pareciam tão estranhos” a dificuldade de socialização e de comunicação, eram vistas como timidez, o que para uma menina do interior num contexto bastante religioso, era considerado até mesmo uma “virtude”.
Ela conta que esses estereótipos de gênero acabaram contribuindo para que sinais do autismo passassem em branco em sua infância e adolescência. Já na fase adulta, essas questões foram se acumulando, com crises de ansiedade e depressão.
Isso também não parecia incomum para uma mulher, que muitas vezes, do ponto de vista do estereótipo do gênero, é vista como mais sensível, emotiva e instável, pontua ela.
A ligação entre uma mulher autista e a camuflagem social
Quando falamos em camuflagem social estamos falando de um conjunto de estratégias usadas para esconder comportamentos comuns em pessoas autistas. Ou seja, o objetivo dessa camuflagem é fazer com que a pessoa se adapte ao ambiente, agindo de acordo com as normas e expectativas sociais.
Pesquisadores afirmam que, por mulheres serem mais expostas em situações sociais e forçadas a se comportar de forma “adequada” desde muito cedo, muitas das características do TEA acabam sendo ocultadas nesse processo.
Myriam conta que cresceu realmente tentando se “adaptar” socialmente, o que causava grande exaustão e sofrimento mental.
“O não saber como agir ou como me comunicar em determinadas situações, e mesmo assim, me ver impelida a performar uma socialização e comunicação que correspondesse às expectativas que se tem sobre o gênero feminino na sociedade nesse sentido, foi uma grande causa de exaustões, depressões e crises sensoriais e de ansiedade, que só fui descobrir e entender muitos anos depois, já adulta, com o diagnóstico tardio”.
A camuflagem também era uma forma dela se sentir menos “estranha” e mais aceita socialmente, o que também está diretamente ligado às questões do gênero, pois a pressão de querer ser aceita, de querer agradar, principalmente aos homens, é muito passada para mulheres, conta ela.
Para as mulheres o diagnóstico de autismo é ainda mais complexo
Mulheres com autismo muitas vezes enfrentam dificuldades em serem compreendidas e diagnosticadas precocemente, devido à camuflagem social, um fenômeno no qual elas aprendem a imitar comportamentos sociais considerados “normais”, mascarando assim os sintomas do autismo.
Myriam conta que “antes do diagnóstico de mulher autista, passou muitos anos entre várias crises de depressão, ansiedade, sensoriais, sem entender direito tudo que acontecia com ela, tomando vários remédios diferentes, e tendo prejuízos nas áreas pessoal, profissional e de saúde física e mental”.
É comum que as meninas não se ajustem aos estereótipos típicos associados ao transtorno do espectro autista e, consequentemente, apresentem sintomas mais camuflados em comparação aos meninos.
Esse fenômeno é particularmente evidente no aspecto do comportamento social, que desempenha um papel fundamental na identificação do TEA.
Devido às normas sociais estabelecidas, as meninas tendem a disfarçar mais suas dificuldades em relação aos meninos, muitas vezes imitando comportamentos considerados padronizados para sua faixa etária.
Esse comportamento de camuflagem social é muitas vezes motivado pela busca de aceitação social e pela pressão para se encaixar nos padrões sociais estabelecidos.
Para Myriam o diagnóstico foi fundamental na melhoria da qualidade de vida, conhecimento de limites e potenciais, medicações adequadas, e também suporte terapêutico adequado.
“Faço terapia desde então e obtive grande salto em comunicação e socialização, autorregulação, além de autoconhecimento e autoaceitação”.
Muitas mulheres autistas ainda têm dificuldade de encontrar uma rede de cuidado e atendimento para seus diagnósticos, principalmente por receberem esse diagnóstico tardio.
Myriam acredita que ter acessado um diagnóstico mais precocemente poderia ter evitado muitas das crises e prejuízos sociais, além de que poderia ter ajudado a se conhecer, entender e desenvolver muito antes.
“De toda forma, ainda assim, é muito importante que esses diagnósticos tardios estejam sendo feitos agora, pois eu acredito que sempre é tempo e nunca é tarde para a gente reescrever nossa história”.
Quase a totalidade da rede de cuidado e atendimento para autistas é formada por mulheres
Além disso, é fundamental reconhecer o papel feminino no cuidado e apoio a mulheres autistas, já que profissionais de desenvolvimento para pessoas com TEA são majoritariamente mulheres.
Segundo dados do IBGE de 200, equipes de várias especialidades, incluindo psicologia, neuropediatria, fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia, pedagogia e outros, são predominantemente ocupadas por mulheres.
Esse é um dado reforçado pela OMS em 2019, que depois de fazer um levantamento em 104 países, concluiu que as mulheres representam 70% dos trabalhadores do setor de saúde e social.
Assim, desde profissionais de saúde e educadores até terapeutas e cuidadores familiares, as mulheres constituem uma parte significativa da rede de apoio para pessoas autistas.
No entanto, é essencial que essa responsabilidade não recaia exclusivamente sobre elas, e que haja um reconhecimento e suporte adequados para seu trabalho vital.
Conclusão
À medida que celebramos o Dia Internacional da Mulher, é fundamental reconhecer as experiências das mulheres em todas as suas formas, incluindo mulheres autistas que podem ter necessidades e percepções diferentes.
É importante que exista um aumento da conscientização sobre as nuances do autismo em mulheres, promover uma maior compreensão e aceitação, além de apoio especializado, com profissionais de saúde para que todas consigam desenvolver suas habilidades.
À medida que continuamos a avançar, é essencial que ouçamos e valorizemos as vozes das mulheres com autismo, aprendendo com suas experiências e trabalhando juntos para criar um mundo mais inclusivo e compassivo para todos.