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A autorregulação é um processo em que a pessoa identifica uma sensação no corpo dela, nomeia o que significa essa sensação e então sabe o que fazer para atender a necessidade que o corpo está exprimindo.
Esse processo é bastante complexo já que envolve o desenvolvimento de vários aspectos — físicos, emocionais, cognitivos e comportamentais — para que exista um ajuste corporal diante das demandas e desafios da rotina.
É a partir da autorregulação que podemos encontrar estratégias cognitivas para lidar com as situações diárias de forma organizada, elaborada, intencional e internalizada.
Esse processo de regulação emocional é fundamental para todas as pessoas, sejam elas típicas ou atípicas. No caso das pessoas com TEA, a autorregulação assume um papel ainda mais significativo, uma vez que a dificuldade de processar estímulos e regular emoções é uma característica marcante do espectro.
Neste artigo, abordaremos de forma acessível e completa o que é autorregulação no autismo, como a regulação emocional impacta o desenvolvimento, além de dicas e estratégias para apoiar essa habilidade. Continue lendo até o fim!
O que é autorregulação?
A autorregulação é a capacidade de uma pessoa perceber o que está sentindo, nomear essa sensação e então monitorar, ajustar e controlar suas reações emocionais, comportamentais e cognitivas em resposta ao ambiente.
“A autorregulação pode envolver tanto estados fisiológicos quanto emocionais. Por exemplo: percebo uma sensação no meu corpo, identifico que é sede e bebo água; ou percebo sensações corporais, reconheço que estou com raiva, respiro e comunico a alguém o que me deixou com raiva e do que eu preciso.”, comenta Alice Tufolo.
Assim, a autorregulação representa os mecanismos usados por uma pessoa para controlar suas emoções e comportamentos diante de fontes de estimulação positivas ou negativas.
Ao nível de desenvolvimento, qualquer ser humano primeiro é corregulado por outra pessoa, para depois aprender a se autorregular.
Estudos demonstram que, ao longo do desenvolvimento, as crianças aprendem a depender menos do controle externo e a usar seus próprios recursos internos para se acalmar e se adaptar.
“A autorregulação sempre se desenvolve a partir de uma experiência de coregulação. Ou seja, a criança primeiro é regulada por um adulto que representa uma base segura para ela, e, a partir dessa vivência, desenvolve gradualmente a habilidade de se autorregular. O maior desafio em relação às pessoas com TEA é que, muitas vezes, a percepção dos estímulos do ambiente encontra-se alterada — podendo ser sentida de forma mais intensa, menos intensa ou mesmo distorcida. Com isso, é comum que o adulto esteja sinalizando, por exemplo, que está tudo bem, enquanto a criança percebe que não está — e o contrário também pode acontecer.”
Comenta Alice Tufolo, conselheira clínica da Genial Care, trazendo atenção do porquê muitas vezes será mais desafiador para a criança TEA desenvolver a autorregulação.
Desde cedo, é possível notar como os pequenos já buscam formas de se proteger de estímulos excessivos ou estressantes. Por exemplo, um bebê pode usar a chupeta, sugar o dedo, desviar o olhar, virar a cabeça ou fechar os olhos para se acalmar e evitar um estímulo que o incomoda. O corpo é sábio em relação ao que necessita.
Quais são os tipos de autorregulação?
No desenvolvimento da autorregulação, diferentes tipos de processos regulatórios entram em ação, como a regulação cognitiva, emocional e comportamental. Isso significa que várias áreas do desenvolvimento humano contribuem para esse processo de regulação interna.
Podemos dividir a autorregulação em 2 tipos, sendo:
Regulação corporal homeostática
A regulação homeostática está correlacionada com as necessidades fisiológicas, envolve a capacidade de perceber os eventos internos, compreender a que eles se referem e, a partir disso, saber o que fazer com a sensação como fome, sede, vontade de ir ao banheiro, etc .
“Todo ser humano aprende sobre essas sensações por meio da mediação dos outros. Por exemplo: a criança emite comportamentos que os pais nomeiam — ‘você está cansada, vamos dormir’ ou ‘você está apertando a perna e tomou muita água, acho que você quer fazer xixi’. Com essas descrições, a criança passa a associar a sensação que sente com aquilo que está sendo nomeado pelo adulto e, a partir daí, começa a entender também qual é a solução possível.”, descreve Alice Tufolo.
Quando falamos do autismo, esse desenvolvimento costuma ser um pouco mais complexo, pois muitas vezes o registro corporal dessas sensações está alterado. “A criança pode sentir de forma muito intensa, muito fraca ou confusa, sem saber ao certo de onde vem aquela sensação.
Assim, o que o adulto descreve nem sempre corresponde ao que ela está percebendo internamente.
Outro cenário possível é quando a percepção do estímulo é fraca — por exemplo, a criança só percebe que está com vontade de fazer xixi quando já está quase fazendo.” — comenta Alice Tufolo.
Essa percepção dos estímulos internos impacta diretamente as atividades da vida diária e processos importantes como o desfralde, perceber que está suado e que precisa tomar banho, ou reconhecer a fome e buscar se alimentar. A sensibilidade a essas sensações influencia diretamente também o bem-estar.
“Não perceber que está ficando com fome, ou sentir fome de forma muito intensa, pode afetar significativamente a regulação da pessoa — tanto em “matar a fome” quanto na autorregulação das emoções.” — completa Alice Tufolo.
Regulação emocional (afetiva)
A regulação emocional refere-se à capacidade de gerenciar e modular emoções, envolvendo a habilidade de entender, expressar e controlar os próprios sentimentos.
Ela envolve o mesmo processo: perceber as sensações corporais, nomeá-las e, a partir disso, saber o que fazer — mas agora em relação aos aspectos emocionais. Toda emoção tem uma correspondência no corpo.
Quando você está com raiva, por exemplo, essa raiva se manifesta fisicamente: talvez suas mãos fiquem mais tensas, talvez surja uma vontade de bater, de se movimentar; o coração pode acelerar. E, diante dessas sensações, comportamentos são ativados.
Crianças com TEA, ao perceberem essas sensações e eventos internos de forma alterada, podem encontrar dificuldades para identificar qual emoção estão sentindo e como lidar com ela. Isso pode levar a reações mais impulsivas ou, em outros casos, mais passivas.
“Imagine só sentir o desconforto corporal relacionado à raiva somente quando ela já está muito intensa — ou senti-la tão fortemente que se dificulta lidar com ela. Nesses casos, as reações podem ser mais explosivas, menos mediadas.
Para além do sentir, muitas das estratégias de regulação emocional são sociais. Por isso, pode ser mais desafiador para uma pessoa com TEA saber o que fazer como resolução de problema social diante do que está sentindo.”, comenta Alice Tufolo.
“Diante de tudo isso, a autorregulação emocional — que exige da pessoa a capacidade de reconhecer o que está sentindo, entender o que isso representa e encontrar formas de lidar — pode ser especialmente desafiadora para uma pessoa autista, considerando os déficits envolvidos nesse processo.”, diz Alice Tufolo.
Algo muito importante de se compreender, tanto em relação às emoções homeostáticas quanto às afetivas, é que cada pessoa é única — e, por isso, como cada uma sente essas emoções também será singular.
O jeito que uma pessoa sente fome nunca será exatamente igual ao de outra. Da mesma forma, a experiência corporal e emocional da raiva, por exemplo, varia profundamente entre os indivíduos.
Isso significa que as soluções ou estratégias para lidar com essas emoções também não podem ser padronizadas — elas precisam ser construídas de maneira individualizada, respeitando as formas únicas de sentir e se regular de cada ser humano.
O que é desregulação no autismo?
A desregulação o momento em que a pessoa não conseguiu encontrar formas de atender a necessidade de seu corpo e dessa forma não consegue lidar com o que está sentindo.
No autismo, a desregulação emocional é comum por todos os pontos anteriores comentados, e pode chegar a se manifestar intensamente se a pessoa não encontra uma forma de atender o que está precisando, como:
- Meltdowns: episódios intensos de sobrecarga emocional ou sensorial que podem levar a gritos, choro, agressividade ou isolamento. Meltdowns estão associados à incapacidade de lidar com o estresse ou estímulos externos.
- Shutdowns: quando a pessoa com TEA se sente sobrecarregada, ela pode se retirar completamente de interações e estímulos, ficando em silêncio ou evitando qualquer contato social. Essa pode ser uma forma inclusive de lidar com uma emoção que não foi atendida.
A desregulação pode impactar negativamente a qualidade de vida, dificultando a socialização, o aprendizado e o desenvolvimento pessoal.
A falta de estratégias adequadas para regular as emoções e os comportamentos pode resultar em frustração tanto para o indivíduo quanto para seus cuidadores.
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Como ajudar o autista a se autorregular?
Existem diversas estratégias que podem ser implementadas para ajudar uma pessoa com autismo a desenvolver e aprimorar suas habilidades de autorregulação.
Pais, cuidadores e profissionais de saúde podem desempenhar um papel importante nesse processo:
- Crie rotinas estruturadas: uma das formas mais eficazes de ajudar na autorregulação é estabelecer uma rotina previsível. Rotinas claras e organizadas ajudam a reduzir a ansiedade, pois a pessoa sabe o que esperar e pode se preparar emocionalmente para cada atividade.
- Treine habilidades sociais: treinamentos específicos, como o uso de histórias sociais, intervenção analítico comportamental, podem auxiliar pessoas autistas a reconhecer e gerenciar suas emoções durante interações sociais.
- Use ferramentas visuais: ferramentas como cronogramas, quadros de sentimentos ou semáforos emocionais auxiliam a pessoa com autismo a compreender e expressar melhor suas emoções. Esses recursos também indicam quando uma situação está se tornando difícil e quando é hora de aplicar uma técnica de autorregulação.
- Estimule o sensorial adequado: ambientes controlados podem ajudar a prevenir crises de desregulação. Isso pode incluir oferecer um espaço sensorial onde a pessoa possa se reorganizar, ou o uso de fones de ouvido, óculos escuros e outros acessórios que minimizem o impacto de estímulos sensoriais intensos.
“A nível terapêutico, o desenvolvimento da interocepção — ou seja, a capacidade de perceber os estímulos internos, nomeá-los e saber o que fazer diante dessas situações — é essencial.
O desenvolvimento da autorregulação é um direito de todo e qualquer ser humano e deve ser parte central de uma intervenção de qualidade.
Quanto mais a pessoa for capaz de identificar os sinais do próprio corpo, mais condições terá de prevenir sobrecargas e de atender às suas próprias necessidades de forma autônoma e respeitosa consigo mesma.”, comenta Alice Tufolo.
Conclusão
A autorregulação no autismo é um componente essencial para o desenvolvimento emocional, comportamental e social.
Quando uma pessoa com TEA aprende a regular suas emoções e comportamentos, ela se torna mais preparada para enfrentar os desafios diários com confiança e menos frustração.
Embora a desregulação seja comum no autismo, existem muitas estratégias eficazes que podem ser adotadas para apoiar o desenvolvimento dessa habilidade.
Investir no fortalecimento da autorregulação não só melhora a qualidade de vida da pessoa no espectro, mas também fortalece seus relacionamentos e promove maior independência.
Já fizemos um conteúdo em nosso blog sobre crises no autismo, que pode ajudar você a continuar aprendendo sobre o tema, acesse agora: