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Resultados finais mostram que 86% dos cuidadores de crianças com TEA são mães. Elas se tornam as principais responsáveis quando o assunto é entender o autismo e lidar com a criança. Ouvimos histórias reais de mulheres que vivenciam essa realidade – aqui vão algumas delas.
“Estava com as malas prontas no último ano da faculdade. Cancelei todos os meus sonhos”. É assim que Camila Nogueira explica a mudança de planos quando recebeu o diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) do filho Miguel. Graduada em Publicidade e Propaganda no ano de 2004, ela terminou o curso com a promessa de um emprego no Rio de Janeiro (RJ). Mas a realidade do diagnóstico transformou seus planos. Mais de 16 anos depois, ela nunca chegou a exercer a profissão que planejava e dedica a vida aos cuidados com o filho, também ajudando outras famílias a lidarem com o diagnóstico.
Histórias como a de Camila são comuns em mães de crianças com diagnóstico de TEA. Independente da classe social, grau de escolaridade e de estarem ou não no mercado de trabalho, elas muitas vezes acabam sendo o principal ponto de apoio para os filhos. É o que mostram os resultados finais do estudo cuidando de quem cuida: um panorama sobre as famílias e o autismo no Brasil em 2020, realizado pela Genial Care. Segundo dados colhidos na pesquisa, 86% dos cuidadores responsáveis por crianças com autismo são mães.
As análises de pessoas que se classificam como as cuidadoras imediatas destas crianças, que têm entre 0 e 12 anos e diagnóstico – ou suspeita – de autismo mostram ainda que os 16% restantes estão divididos entre os pais (10%) e outros (4%). Os números não são nada chocantes para quem conhece a realidade da comunidade do autismo. Em entrevista para a Genial Care em agosto, Eliseu Acácio da Silva, pai e padrasto de dois meninos com autismo nível 3, comentou sobre a disparidade de pais e mães como protagonistas na criação dos filhos.
“Não que sejam raríssimos os pais na causa do autismo e nos cuidados do autista, mas as mães são maioria esmagadora”, observou.
Dupla jornada
Enquanto muitas mães deixam o mercado de trabalho para se dedicar aos estudos sobre autismo, outras decidem – ou são forçadas a – fazer dupla jornada. Assim, se dividem entre as tarefas administrativas e os cuidados com a criança. É o caso de Giselle, que atua no setor fiscal de uma empresa multinacional e também cuida do filho, Matheus.
Mesmo após descobrir a condição do filho, ela conta que continuou no ritmo de trabalho de sempre. “Não fiz adaptação nenhuma, tive que juntar o emprego e tudo que veio junto com o diagnóstico”.
Antes da pandemia provocada pelo novo coronavírus, ela trabalhava presencialmente das 8h às 18h. Nesse período, Matheus frequentava a escola e as terapias. Em casa, Giselle tomava conta dos afazeres domésticos e também da organização da rotina familiar junto ao marido. Agora, ela trabalha apenas dois dias por semana na empresa, o restante é no esquema de home office. “Hoje temos dois mundos, né? Um antes da pandemia e outro na pandemia. É mais fácil cuidar dele em home office”, diz.
Mães na linha de frente do autismo
Para Luciana Habermann, mais do que apenas cuidadores, mães muitas vezes são as verdadeiras protagonistas no desenvolvimento dos filhos. Ela estava grávida pela segunda vez quando a filha, Alice, recebeu o diagnóstico de autismo.
Apesar de ter se afastado das funções que exercia como consultora porque estava grávida pela segunda vez, Luciana conta que o diagnóstico da filha mais velha foi, e tem sido, uma grande norteador de sua vida. “Desde o diagnóstico já li 13 livros sobre o autismo e suas comorbidades. E descubro novos caminhos todos os dias. Não estou levando Alice para a terapia. Eu abandonei a clínica em que eu estava. Não fez bem para a Alice. E agora tentarei novas estratégias após a pandemia. Até lá, seguimos”, diz.
Ajudando outras mulheres
Co-fundadora da ONG FASA (Família Autismo Só Amor), ela atua acolhendo e oferecendo apoio para famílias que recém descobriram o diagnóstico. Por isso, acredita em um movimento no qual os pais sejam inseridos no contexto terapêutico e aprendam mecanismos e estratégias para lidar com as crianças e ajudar no desenvolvimento delas.
“Muitos dos terapeutas não têm filhos -, muitos falam sobre a educação que devemos dar, os limites que devemos impor. A partir daí, comecei a pensar que o Protagonismo da Intervenção deveria ser dos pais”, comenta.
Por meio desse trabalho, ela tem criado iniciativas para ajudar as famílias a lidar com o difícil momento do diagnóstico. Além disso, busca orientá-las na procura por terapias e intervenções. Tudo isso motivado pela própria experiência com Alice, que fez dela uma mãe protagonista. “Estou movimentando meu pequeno universo. Se eu ajudar 50 mães até o final da minha vida, ajudar 50 filhos, eu serei uma vitoriosa, porque no meu pequeno mundo eu contribuí para algo de valor”, conclui.