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No dia 18 de junho é comemorado o Dia do Orgulho Autista. A data, criada pelos próprios autistas, surgiu da falta de representatividade percebida nas ações promovidas em abril, durante o Dia Mundial da Conscientização do Autismo.
Essa data é uma oportunidade importante para reconhecer e celebrar a diversidade dentro do espectro do autismo, principalmente quando falamos de pessoas autistas, adolescentes ou adultas.
Isso porque ainda é muito comum que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) seja associado exclusivamente à infância, o que pode deixar muitos autistas sem visibilidade.
Dessa forma, o Dia do Orgulho Autista é feito por e para todos que fazem parte do espectro, como uma maneira de celebrar e reconhecer as diferenças de forma natural e inclusiva em nossa sociedade.
Além disso, a data reforça o movimento “Nada sobre nós, sem nós”, que defende a participação ativa de pessoas autistas em eventos, palestras e discussões sobre o tema, garantindo representatividade e lugar de fala.
Neste texto, além de entendermos o significado do Dia do Orgulho Autista, trazemos também reflexões de Tiago Abreu — jornalista, autista, autor do livro O que é neurodiversidade? e criador do podcast Introvertendo, o primeiro do Brasil feito exclusivamente por pessoas autistas — e Fernanda Fialho, uma mulher autista de nível 2 e mãe de uma criança também autista.
Eles contam mais sobre suas experiências, desafios e perspectivas como pessoas autistas adultas, oferecendo uma visão única sobre a vida atípica.
Qual o significado do Dia do Orgulho Autista?
O Dia do Orgulho Autista foi criado em 2005 pela organização Aspies for Freedom (Aspie é uma forma como muitos autistas se denominam, e é uma nomenclatura derivada de “Asperger”, da Síndrome de Asperger), dos Estados Unidos, um grupo formado por pessoas autistas que luta por direitos e representatividade.
A iniciativa surgiu como resposta à falta de protagonismo nas ações realizadas em abril, durante o Dia Mundial da Conscientização do Autismo.
A principal proposta da data é fortalecer o movimento da neurodiversidade e conscientizar a sociedade de que o autismo não é uma doença, mas sim um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, uma forma diferente de perceber e interagir com o mundo.
Por isso, não se fala em cura, mas em estratégias e intervenções eficazes que promovam bem-estar, autonomia e qualidade de vida em diferentes contextos.
O Dia do Orgulho Autista celebra a identidade autista e destaca que pessoas no espectro não são “doentes”, mas possuem características únicas e enfrentam barreiras de aprendizado e convivência que precisam ser compreendidas, respeitadas e acolhidas.
“Entre outras manifestações, uma das principais em respeito ao Dia do Orgulho Autista é o fato de lembrar que esse dia é para pessoas autistas e sobre elas. Não cabe a quem não está no espectro desqualificar a comemoração ou tecer comentários negativos a respeito dela”, reforça Tiago Abreu, jornalista, autista e autor do livro O que é neurodiversidade?
Já Fernanda, criadora de conteúdo na comunidade autista, escritora e palestrante, conta que tudo começou em 2018, antes mesmo do diagnóstico, com as redes sociais em um espaço com o diário e que ela se sentia segura para se expressar.
Para ela o Dia do Orgulho Autista é uma data de luta, na qual precisamos lembrar dos diferentes níveis de suporte e diversas vivências individuais, “nada sobre nós, sem nós.”
Esse é um movimento que pede a participação de pessoas autistas em eventos, palestras e demais discussões que envolvem o tema, trazendo lugar de fala e representatividade.
“A data precisa mostrar que não somos apenas pacientes, não somos apenas pessoas com deficiência, somos indivíduos diversos, com opiniões próprias e desejos individuais que merecem ser ouvidos e respeitados.”, finaliza Fernanda.
Por que se comemora o Dia do Orgulho Autista?
O autismo não é um conceito fechado. Ao longo da história, o que chamamos de “autismo” foi se modificando, se ampliando e se expandindo.
Especialmente a partir de 2013, o autismo passou a ser classificado como Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), um dos Transtornos do Neurodesenvolvimento, caracterizado por dificuldades na comunicação e interação social, além de comportamentos restritos e repetitivos.
“Mas, por muito tempo, manteve-se a percepção do autismo como algo fatal ou horrível” , comenta Tiago.
Até a década de 1990, quase não existiam vozes autistas falando sobre o diagnóstico em primeira pessoa. As principais associações, em países como os Estados Unidos, tratavam o autismo como um vilão, um “ladrão” que roubava crianças de suas famílias.
Foi nesse contexto que surgiram os primeiros ativistas, ainda naquele período, para questionar o que era estabelecido sobre o diagnóstico.
Fernanda conta que “recebeu o diagnóstico tardio, depois que minha filha foi diagnosticada precocemente e depois de ter sobrevivido há muitos anos de tratamentos incorretos e internações psiquiátricas”.
Assim, depois do diagnóstico na vida adulta, com 25 anos, Fernanda começou a ganhar visibilidade na internet, palestrando e compartilhando sua história na esperança de que ela não se repita.
Isso porque grande parte da trajetória de Fernanda está ligada a questões de saúde mental. “Sobrevive há 15 internações psiquiátricas e inúmeras violências. Hoje, vivo um dia de cada vez, de passinho em passinho.”
O conceito de orgulho autista, foi inspirado nos movimentos LGBTQIAP+. Foi a partir dessa ideia que surgiu o Dia do Orgulho Autista, criado em 2004 pela organização britânica Aspies for Freedom. Mas, desde então, uma pergunta permanece: orgulho de quê?
A resposta é simples: orgulho da diversidade humana e de um modo de ser. O ser humano é diverso e essa diversidade de modos tão diferentes de ser deve ser celebrada e aceita socialmente.
Aceitar a si mesmo é um ato de empoderamento. Para comunidade de pessoas autistas, ter orgulho de ser autista é ter orgulho de ser quem se é . Isso impulsiona o autoconhecimento, a autoaceitação e a luta por políticas públicas.
Só existe um Dia do Orgulho Autista porque, um dia, ser autista foi visto como algo a ser mudado.
Esse olhar nos ajuda a compreender as diversas nuances e singularidades do espectro. A diversidade não está apenas entre diferentes formas de se ser enquanto ser humano, ela está dentro do próprio espectro também.
Cada pessoa autista pode precisar de diferentes níveis de apoio para atividades diárias, além de apresentar mais ou menos sensibilidade a determinados estímulos.
Como podemos promover cada vez mais o Dia do Orgulho Autista?
Por isso, ao falarmos sobre o Dia do Orgulho Autista, precisamos lembrar: ao conhecer uma pessoa autista, conhecemos apenas uma forma de ser, assim como quando conhecemos qualquer outra pessoa. Todas as pessoas tem a sua singularidade.
Ampliar as possibilidades de criar ambientes diversos, com diferentes vivências e modos de ser, nos ensina que a diversidade é parte essencial da vida. Isso permite que as pessoas tenham espaços seguros e acolhedores para serem quem são.
Se pararmos para refletir, perceberemos que sermos diferentes uns dos outros é a regra, não a exceção.
Uma das estratégias mais eficazes para combater o estigma e a falta de informação sobre o autismo é a educação/informação. Campanhas de conscientização têm o poder de desmistificar o autismo ao fornecer informações precisas sobre o que significa ser uma pessoa autista.
Isso inclui desconstruir mitos comuns e oferecer uma compreensão mais profunda e empática sobre as diversas experiências dentro do espectro autista.
Além disso, é fundamental o envolvimento ativo da comunidade e das próprias pessoas autistas. Precisamos ouvir, dar espaço e conhecer cada vez mais quem vive no espectro, pois só assim será possível compreender a real diversidade que ele representa. Essas pessoas precisam estar envolvidas em decisões de políticas públicas sobre elas mesmas.
Não podemos esquecer da importância de lutar e incentivar políticas públicas que garantam os direitos das pessoas autistas. Isso inclui desde a ampliação do acesso à educação e ao mercado de trabalho até a oferta de serviços de saúde apropriados, acessíveis e contínuos.
Promover o Dia do Orgulho Autista é mais do que celebrar: é garantir visibilidade, respeito e inclusão verdadeira.
Vivências no Dia do Orgulho Autista: Mulher autista e mãe atípica
Ser mãe já é, por si só, um grande desafio, e ser mãe de uma criança autista traz uma série de particularidades. Para Fernanda, isso significa equilibrar o entendimento das necessidades da filha enquanto lida com suas próprias.
Fernanda relata sentir uma cobrança e culpa muito grande por ser uma mulher autista e mãe, como se a maternidade não pudesse ser uma realidade para pessoas no espectro.
“Os maiores desafios são que, ou eu sou muito autista para ser mãe e minimamente validada na minha capacidade, nas minhas opiniões e decisões como adulta, ou eu sou muito mãe e muito consciente para ser autista e ter minhas dificuldades e limitações respeitadas.”
Os dados do nosso estudo “Retratos do Autismo no Brasil em 2023” mostram que 36% dos cuidadores sentem culpa pela condição da criança, e 89% desses cuidadores são mulheres. Esse dado reforça a cobrança que recai especialmente sobre mulheres em suas maternidades atípicas.
Fernanda compartilhou que já sentiu essa culpa, pois “quando nasce uma mãe, nasce uma culpa”. Por não saber antes que era uma pessoa autista, chegou a se culpar pelo diagnóstico da filha.
Baixe nosso estudo e conheça mais sobre a perspectiva da Fernanda
Nosso estudo, realizado em parceria com a Tismoo.me, foi feito em 2023 com o objetivo de colher dados relevantes sobre pessoas autistas e suas famílias.
Com 2.247 respostas no total, obtivemos uma amostra válida de acordo com a Calculadora de Tamanho de Amostra, considerando uma estimativa de 4 milhões de pessoas com TEA no Brasil — número baseado em dados do CDC, que apontam que 1 em cada 31 pessoas está no espectro do autismo nos Estados Unidos (2023) —, com grau de confiança de 99% e margem de erro de 3%.
Essa nova versão traz os principais resultados e conta com falas e percepções da Fernanda, baseadas em sua vivência e jornada como mulher autista e mãe de uma criança no espectro.
Ela comentou sobre 4 dados principais:
- Apenas 46% dos adultos autistas trabalham em tempo integral.
- 36% dos cuidadores sentem culpa pela condição da criança; desses, 89% são mulheres.
- 49% dos autistas já tiveram comportamentos de autolesão/automutilação, sendo que 7% já tentaram tirar a própria vida.
- 24,2% das pessoas autistas da amostra também são cuidadoras de uma criança autista, reforçando o papel dos fatores genéticos no desenvolvimento do transtorno.
Fernanda afirma:
“É preciso saber que autistas têm dificuldades em comunicar seus sentimentos e vivências, o que propicia um sofrimento em silêncio. É preciso ter atenção a esse tipo de comportamento e intervir o mais cedo possível.”
Conclusão
O Dia do Orgulho Autista é mais do que uma simples comemoração: é uma oportunidade de celebrar a neurodiversidade, promover a aceitação e ampliar a visibilidade das pessoas autistas em todas as fases da vida.
A partir da perspectiva do Tiago e Fernanda Fialho, percebemos que conhecer uma única pessoa autista não é o mesmo que compreender o autismo. Cada indivíduo no espectro tem sua própria trajetória, desafios e potencialidades.
Por isso, é fundamental abrir cada vez mais espaços para que pessoas autistas compartilhem suas vivências. Ao escutá-las, conseguimos construir redes de apoio mais acolhedoras, fortalecer a inclusão e combater o estigma ainda existente.
Promover o orgulho autista é essencial para melhorar a qualidade de vida, ampliar o respeito às diferenças e construir uma sociedade mais justa, plural e inclusiva.
Este dia nos lembra da importância de valorizar cada indivíduo por quem ele é, reconhecendo que o autismo é uma parte natural da diversidade humana.
Você pode acessar a nova versão do nosso estudo e conferir todos os comentários da Fernanda clicando no botão abaixo:
4 respostas para “Por que precisamos de um Dia do Orgulho Autista? Fernanda Fialho e Thiago Abreu falam sobre suas vivências como pessoa autista”
A espectativa é muito grande para este encontro..
Olá, Lucieni. Como vai? Esperamos que muito bem.
Agradecemos pelo seu comentário. Olha, amanhã comemora-se mais um ciclo onde o dia do orgulho autista estará em voga. Muito legal. Né?
Abraços.
Muito bom saber que a cada dia mas pessoas estão comprometidas com assuntos sérios e relevantes
Importante entender o Autismo e nos envolvermos cada vez mais nesta jornada.
Olá, Maria. Como vai? Esperamos que muito bem.
Agradecemos muito seu comentário e reiteramos nosso compromisso de ajudar mais pessoas na compreensão do espectro autista.
Abraço.